Tecnologia

Como a Inteligência Artificial passou de heroína a vilã

Com o aparecimento dos chatbots, a Inteligência Artificial ficou envolta em muitos receios e há já quem preconize que a inteligência humana está em perigo, mas os defensores contrapõem: a tecnologia pode dar-nos tempo para sermos mais criativos e termos um pensamento mais crítico.

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Como a Inteligência Artificial passou de heroína a vilã Como a Inteligência Artificial passou de heroína a vilã
© Pexels
Rita Caetano
Escrito por
Ago. 18, 2023

Em maio passado, um tweet de Geoffrey Hinton, pioneiro da Inteligência Artificial (IA) pasmou o mundo. Nele, dizia que se tinha reformado da Google para poder falar sobre os perigos da IA sem ter de considerar o impacto que teria na sua antiga empresa.

Numa entrevista ao The New York Times foi ainda mais preciso: “Veja como [a tecnologia de Inteligência Artificial] era há cinco anos e como é agora. Pegue nessa diferença e multiplique para o futuro. É assustadora. É difícil ver como se pode impedir que se use isto de forma maligna”, acrescentou.

Mas esse não foi o primeiro aviso à IA dos últimos meses vinda de dentro do setor tecnológico. Já no final de março, um grupo de especialistas e dirigentes, entre os quais Elon Musk, que financiou a Open Air, empresa que criou o ChatGPT, e Steve Wozniak, co-fundador da Apple, solicitaram que se travasse o desenvolvimento da IA durante seis meses.

Mais recentemente, um comunicado do Center for AI Safety, assinado por empresários do setor tecnológico, investigadores e académicos, alertava para os possíveis riscos da AI para a Humanidade e para a necessidade de regulamentação.

Curiosamente, nesse documento pode ler-se que a tecnologia de IA pode ser uma ameaça para a sociedade comparável a uma pandemia ou guerra.

A Inteligência Artificial pode ser tão ameaçadora para a sociedade como uma pandemia ou uma guerra

Um outro estudo da Universidade de Zurique, publicado no final de junho na Science Advance, concluiu que a desinformação veiculada pelos chatbots é mais perigosa do que a humana.

As críticas também se fazem sentir fora da indústria tecnológica. O filósofo e linguista Noam Chomsky tem sido uma das vozes mais veementes.

Em março, publicou, em coautoria com o igualmente linguista Ian Roberts e com o especialista em AI Jeffrey Watumull, no The New York Times, um artigo no qual condenava o caminho que a IA está a tomar e apelidava o ChatGPT de falsa promessa.

Em abril, em entrevista ao Ípsilon do Público, o linguista afirmou que a inteligência artificial é o ataque mais radical ao pensamento crítico que já viu e que a ideia de que podemos aprender alguma coisa com este tipo de IA é um erro.

No mês passado, foi a vez do matemático Alessio Figalli que, em 2018, ganhou a medalha Fields (considerada o Prémio Nobel da Matemática), afirmar ao jornal italiano La Repubblica, que esta tecnologia vai tornar-nos preguiçosos.

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Riscos ou vantagens?

As críticas à inteligência artificial – área das ciências da computação que tem como objetivo criar e treinar máquinas para realizarem tarefas inteligentes – não são novas, mas têm-se acentuado desde o lançamento do ChatGPT, do Bing, do Bard, do Dall-e, do Midjourney e de outras ferramentas do género, no ano passado.

Aquelas criam palavras, sons, vídeos e imagens. Os três primeiros são chatbots que produzem conteúdo original a partir de bases de dados gigantescas e que simulam uma conversa humana.

Os restantes permitem criar fotos muito realistas, como foi o caso da do Papa Francisco vestido com um blusão branco que se tornou viral. O risco da desinformação, a difusão de notícias falsas e de discursos extremistas, a perda de trabalhos e do valor de várias áreas artísticas e o fim do pensamento crítico são apontados como os grandes riscos.

Mas também há quem aplauda, dizendo que podem aumentar a produtividade, contribuindo para a eficiência e rapidez de algumas tarefas. Em que é que ficamos? Essa é a grande dúvida da sociedade nos tempos que correm.

A tecnologia tem de ser pensada de forma a responder às necessidades da maioria e não só aos desejos de poucos, ou seja, de quem vive numa penthouse em Sillicon Valley
 Monika Bielskytes, designer futurista Monika Bielskytes, designer futurista

Era de tumultos

Tiago Forte, especialista mundial em produtividade e que ensina novas formas de se ser bem-sucedido neste mundo digital em que vivemos, diz-nos que “quem não tem um pouco de medo não está a perceber o que está a acontecer”.

O também autor do livro Criar Um Segundo Cérebro, recentemente editado em Portugal pela Ideias de Ler e que ensina a organizar os conteúdos digitais para se ser mais criativo e produtivo, refere “que nunca na História da Humanidade surgiu algo do género, portanto é perigoso”.

“Eu sou otimista por natureza, contudo, acho que a transição para esta nova economia não vai ser fácil. Vai ser um tumulto, vai criar muita ansiedade, muitas pessoas vão perder o emprego, uns acabarão por encontrar outro, mas nem todos. A qualidade de vida será melhor para uns e pior para outros”, acrescenta.

Para Monika Bielskyte, designer futurista e fundadora do Protopia Futures, “a tecnologia nunca é o problema, mas sim o que se faz com ela. A noção de que aquela nos controla cria a falsa sensação de que é uma coisa abstrata. Temos de parar de pensar que a tecnologia é algo independente de nós. Ela é uma extensão da nossa humanidade, dos nossos corpos, da nossa mente”.

A designer futurista assegura que “a resposta está sempre na Humanidade e é preciso parar de demonizar a tecnologia. Temos simplesmente de observar como é usada, olhar para quem tem acesso e desenhá-la melhor. Isto significa que temos de a pensar de forma a responder às necessidades da maioria e não só aos desejos de poucos, ou seja, de quem tem poder, de quem vive numa penthouse em Sillicon Valley”.

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Uma lei à espera de aprovação

A falta de regulamentação é um dos perigos da Inteligência Artificial. O Parlamento Europeu aprovou, em junho, a proposta de lei para o Regulamento de Inteligência Artificial.

A identificação do conteúdo produzido por sistemas de inteligência artificial generativa, como os chatbots, e a proibição do uso da IA para fins de vigilância biométrica, como o reconhecimento facial, são algumas das linhas mais importantes do documento. A entrada em vigor deverá acontecer só em 2025.

O futuro da IA

Tiago Forte confessa-nos que tem passado muito tempo a investigar e a experimentar as ferramentas de Inteligência Artificial.

“Estou muito interessado e se, num primeiro momento, pensei que com essas ferramentas íamos deixar de precisar de tudo aquilo que ensino para organizarmos a informação a nosso favor, depois de experimentar, percebi que é o oposto”, garante.

E explica porquê: “Como temos acesso às mesmas ferramentas, como o ChatGPT, não há assim tantos benefícios para nós e para as organizações. A vantagem está, sim, nos dados e na informação única que podemos inserir em ferramentas do género para nos gerar uma resposta mais customizada”.

“Por isso é que várias empresas estão a desenvolver a sua própria Inteligência Artificial. Isso, sim, vai ser o futuro. Para ser eficaz, a IA tem de ter os dados, as ideias, a história e as aprendizagens de cada organização”, continua.

À pergunta se essas ferramentas nos tornarão menos inteligentes, o autor responde: “Há quem irá ficar mais inteligente e quem ficará menos”.

O trabalho de artistas está a ser usado pela IA sem que sejam pagos por isso

Machine learning

A designer futurista prefere falar de machine learning do que de IA quando se refere a ferramentas como os chatbots.

“São fruto do design humano e dos algoritmos, só existem porque resultam de ferramentas que já criámos e com as quais fazemos novas justaposições. Mas fundamentalmente essas ferramentas são incapazes de ter sentimentos, de ter experiências só por si, de ser empáticas”, explica.

O maior problema que observa é como estão a ser pensadas e como estão a ser usadas. “Vemos trabalhos de artistas
ser aproveitados sem que aqueles sejam pagos por isso ou questionados se querem que o seu trabalho esteja a ser usado com aquele propósito”, exemplifica.

“No final do dia, qualquer nova ferramenta traz os seus desafios, mas, usadas com propósitos positivos, trazem-nos vantagens e podem deixar tempo para sermos mais criativos”, acrescenta.

“Estamos no começo do começo. Dois mil e vinte três está para a AI como 1988 esteve para a Internet. Ainda há muito tempo de evolução e quem pensa que já perdeu o comboio está enganado; ainda vai muito a tempo”, salienta Tiago Forte.

O especialista em produtividade lembra que “quem conhece esta tendência está inserido na primeira onda” e aconselha a experimentar.

“Ainda estamos naquela fase em que não sabemos quais são as ferramentas mais importantes, não há princípios sólidos e tudo é um fluxo de mudança. Agora, as pessoas precisam de alguns princípios, regras e técnicas para criar um bom relacionamento. Portanto, quem estiver neste fluxo de experimentação para perceber como pode melhorar o seu trabalho está na linha da frente”, remata.

A versão original deste artigo foi publicada na revista Saber Viver nº278, agosto de 2023.

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