Em maio passado, um tweet de Geoffrey Hinton, pioneiro da Inteligência Artificial (IA) pasmou o mundo. Nele, dizia que se tinha reformado da Google para poder falar sobre os perigos da IA sem ter de considerar o impacto que teria na sua antiga empresa.
Numa entrevista ao The New York Times foi ainda mais preciso: “Veja como [a tecnologia de Inteligência Artificial] era há cinco anos e como é agora. Pegue nessa diferença e multiplique para o futuro. É assustadora. É difícil ver como se pode impedir que se use isto de forma maligna”, acrescentou.
Mas esse não foi o primeiro aviso à IA dos últimos meses vinda de dentro do setor tecnológico. Já no final de março, um grupo de especialistas e dirigentes, entre os quais Elon Musk, que financiou a Open Air, empresa que criou o ChatGPT, e Steve Wozniak, co-fundador da Apple, solicitaram que se travasse o desenvolvimento da IA durante seis meses.
Mais recentemente, um comunicado do Center for AI Safety, assinado por empresários do setor tecnológico, investigadores e académicos, alertava para os possíveis riscos da AI para a Humanidade e para a necessidade de regulamentação.
Curiosamente, nesse documento pode ler-se que a tecnologia de IA pode ser uma ameaça para a sociedade comparável a uma pandemia ou guerra.
A Inteligência Artificial pode ser tão ameaçadora para a sociedade como uma pandemia ou uma guerra
Um outro estudo da Universidade de Zurique, publicado no final de junho na Science Advance, concluiu que a desinformação veiculada pelos chatbots é mais perigosa do que a humana.
As críticas também se fazem sentir fora da indústria tecnológica. O filósofo e linguista Noam Chomsky tem sido uma das vozes mais veementes.
Em março, publicou, em coautoria com o igualmente linguista Ian Roberts e com o especialista em AI Jeffrey Watumull, no The New York Times, um artigo no qual condenava o caminho que a IA está a tomar e apelidava o ChatGPT de falsa promessa.
Em abril, em entrevista ao Ípsilon do Público, o linguista afirmou que a inteligência artificial é o ataque mais radical ao pensamento crítico que já viu e que a ideia de que podemos aprender alguma coisa com este tipo de IA é um erro.
No mês passado, foi a vez do matemático Alessio Figalli que, em 2018, ganhou a medalha Fields (considerada o Prémio Nobel da Matemática), afirmar ao jornal italiano La Repubblica, que esta tecnologia vai tornar-nos preguiçosos.
Riscos ou vantagens?
As críticas à inteligência artificial – área das ciências da computação que tem como objetivo criar e treinar máquinas para realizarem tarefas inteligentes – não são novas, mas têm-se acentuado desde o lançamento do ChatGPT, do Bing, do Bard, do Dall-e, do Midjourney e de outras ferramentas do género, no ano passado.
Aquelas criam palavras, sons, vídeos e imagens. Os três primeiros são chatbots que produzem conteúdo original a partir de bases de dados gigantescas e que simulam uma conversa humana.
Os restantes permitem criar fotos muito realistas, como foi o caso da do Papa Francisco vestido com um blusão branco que se tornou viral. O risco da desinformação, a difusão de notícias falsas e de discursos extremistas, a perda de trabalhos e do valor de várias áreas artísticas e o fim do pensamento crítico são apontados como os grandes riscos.
Mas também há quem aplauda, dizendo que podem aumentar a produtividade, contribuindo para a eficiência e rapidez de algumas tarefas. Em que é que ficamos? Essa é a grande dúvida da sociedade nos tempos que correm.
Era de tumultos
Tiago Forte, especialista mundial em produtividade e que ensina novas formas de se ser bem-sucedido neste mundo digital em que vivemos, diz-nos que “quem não tem um pouco de medo não está a perceber o que está a acontecer”.
O também autor do livro Criar Um Segundo Cérebro, recentemente editado em Portugal pela Ideias de Ler e que ensina a organizar os conteúdos digitais para se ser mais criativo e produtivo, refere “que nunca na História da Humanidade surgiu algo do género, portanto é perigoso”.
“Eu sou otimista por natureza, contudo, acho que a transição para esta nova economia não vai ser fácil. Vai ser um tumulto, vai criar muita ansiedade, muitas pessoas vão perder o emprego, uns acabarão por encontrar outro, mas nem todos. A qualidade de vida será melhor para uns e pior para outros”, acrescenta.
Para Monika Bielskyte, designer futurista e fundadora do Protopia Futures, “a tecnologia nunca é o problema, mas sim o que se faz com ela. A noção de que aquela nos controla cria a falsa sensação de que é uma coisa abstrata. Temos de parar de pensar que a tecnologia é algo independente de nós. Ela é uma extensão da nossa humanidade, dos nossos corpos, da nossa mente”.
A designer futurista assegura que “a resposta está sempre na Humanidade e é preciso parar de demonizar a tecnologia. Temos simplesmente de observar como é usada, olhar para quem tem acesso e desenhá-la melhor. Isto significa que temos de a pensar de forma a responder às necessidades da maioria e não só aos desejos de poucos, ou seja, de quem tem poder, de quem vive numa penthouse em Sillicon Valley”.
Uma lei à espera de aprovação
A falta de regulamentação é um dos perigos da Inteligência Artificial. O Parlamento Europeu aprovou, em junho, a proposta de lei para o Regulamento de Inteligência Artificial.
A identificação do conteúdo produzido por sistemas de inteligência artificial generativa, como os chatbots, e a proibição do uso da IA para fins de vigilância biométrica, como o reconhecimento facial, são algumas das linhas mais importantes do documento. A entrada em vigor deverá acontecer só em 2025.
O futuro da IA
Tiago Forte confessa-nos que tem passado muito tempo a investigar e a experimentar as ferramentas de Inteligência Artificial.
“Estou muito interessado e se, num primeiro momento, pensei que com essas ferramentas íamos deixar de precisar de tudo aquilo que ensino para organizarmos a informação a nosso favor, depois de experimentar, percebi que é o oposto”, garante.
E explica porquê: “Como temos acesso às mesmas ferramentas, como o ChatGPT, não há assim tantos benefícios para nós e para as organizações. A vantagem está, sim, nos dados e na informação única que podemos inserir em ferramentas do género para nos gerar uma resposta mais customizada”.
“Por isso é que várias empresas estão a desenvolver a sua própria Inteligência Artificial. Isso, sim, vai ser o futuro. Para ser eficaz, a IA tem de ter os dados, as ideias, a história e as aprendizagens de cada organização”, continua.
À pergunta se essas ferramentas nos tornarão menos inteligentes, o autor responde: “Há quem irá ficar mais inteligente e quem ficará menos”.
O trabalho de artistas está a ser usado pela IA sem que sejam pagos por isso
Machine learning
A designer futurista prefere falar de machine learning do que de IA quando se refere a ferramentas como os chatbots.
“São fruto do design humano e dos algoritmos, só existem porque resultam de ferramentas que já criámos e com as quais fazemos novas justaposições. Mas fundamentalmente essas ferramentas são incapazes de ter sentimentos, de ter experiências só por si, de ser empáticas”, explica.
O maior problema que observa é como estão a ser pensadas e como estão a ser usadas. “Vemos trabalhos de artistas
ser aproveitados sem que aqueles sejam pagos por isso ou questionados se querem que o seu trabalho esteja a ser usado com aquele propósito”, exemplifica.
“No final do dia, qualquer nova ferramenta traz os seus desafios, mas, usadas com propósitos positivos, trazem-nos vantagens e podem deixar tempo para sermos mais criativos”, acrescenta.
“Estamos no começo do começo. Dois mil e vinte três está para a AI como 1988 esteve para a Internet. Ainda há muito tempo de evolução e quem pensa que já perdeu o comboio está enganado; ainda vai muito a tempo”, salienta Tiago Forte.
O especialista em produtividade lembra que “quem conhece esta tendência está inserido na primeira onda” e aconselha a experimentar.
“Ainda estamos naquela fase em que não sabemos quais são as ferramentas mais importantes, não há princípios sólidos e tudo é um fluxo de mudança. Agora, as pessoas precisam de alguns princípios, regras e técnicas para criar um bom relacionamento. Portanto, quem estiver neste fluxo de experimentação para perceber como pode melhorar o seu trabalho está na linha da frente”, remata.