Ter um hobby é importante para a sua saúde mental e física
Aprender, criar, socializar, desligar. Estes são apenas alguns dos verbos que podemos associar aos hobbies. E, atenção, os benefícios para a sua saúde são muitos e nunca é tarde para começar…
As férias já lá vão, desligar do trabalho é difícil, o cansaço dá sinal, o stresse não arreda pé, não consegue ter um momento só para si, tem dificuldade em concentrar-se, a rotina instalou-se na sua vida. Se se revê neste cenário, então está na altura de arranjar um (ou mais) hobby.
A ciência garante: ter um passatempo faz muito pela sua saúde mental e física. Precisa de mais argumentos para ficar convencida?
Continue a ler para conhecer a opinião favorável de especialistas, mas também de quem usa o seu tempo livre para fazer uma atividade manual e, desta forma, limpar a cabeça das preocupações do dia a dia.
Meditação ativa
Todos os dias após o jantar, Beatriz Silva, professora universitária de Engenharia Mecânica, dedica, pelo menos, 30 minutos, a um dos seus hobbies. Faz origami, tricô, costura, croché e mais recentemente começou a fazer tecelagem.
Chama-lhe ritual e descobriu essa necessidade quando a carreira universitária se tornou muito exigente. “O professor universitário tem, no fundo, duas vertentes, a da docência e a da investigação, é muito difícil desligar e os hobbies ajudam-me a conseguir fazê-lo”, conta- nos. “São uma preparação para me deitar, para acalmar, para limpar a mente; funciona como uma meditação ativa”, acrescenta.
Faz vários porque não gosta de fazer sempre o mesmo, gosta de desafios e de aprender coisas novas e não tem dúvidas: “Às vezes, é mais interessante o processo do que o resultado final”, mas há algo de que não prescinde, as peças “têm de ter uma utilidade e ser bonitas”. “Tenho de ter prazer no que estou a fazer e isso começa quando vou comprar os materiais”, refere.
Benefícios em ter um hobby
Olhemos, agora, para aquilo que diz a ciência sobre o benefício dos hobbies. Um estudo que reuniu investigadores das universidades de Kansas, Pittsburgh e Texas, todas norte-americanas, demonstrou que quem tem uma atividade extratrabalho tem mais saúde, melhor forma física em geral e vive mais anos. O índice de massa corporal dessas pessoas é mais baixo, tal como a pressão arterial e há uma menor produção de hormonas do stresse, além de dormirem melhor e lidarem melhor com o stresse.
Por fim, revelaram ainda ter uma rede de apoio maior e mais diversificada. Não é de estranhar, por isso, que tenham manifestado uma atitude mais positiva perante a vida e uma maior satisfação.
Uma outra investigação, desta feita, desenvolvida na Universidade Estadual de São Francisco, revelou que quem tem um hobby tem um melhor desempenho no trabalho.
José Soares, professor de Fisiologia da Universidade do Porto, especialista em performance em contexto desportivo e corporativo e autor do livro Start & Stop (Ideias de Ler), explica-nos esse fenómeno: “Um dos segredos da performance é o equilíbrio entre a carga e a recuperação e, para se atingir esse objetivo, é preciso diminuir o ritmo e recuperar. Os hobbies ajudam nessa tarefa, sobretudo às pessoas que têm mais dificuldade em desligar”.
Quando a palavra de ordem é desacelerar, “ocupar a mente ou corpo com uma atividade nos tempos livres é uma ajuda preciosa. Com a atenção focada na atividade que se está a fazer, esquecemos emails, reuniões, mensagens, tarefas a desempenhar, preocupações do dia a dia”, salienta José Soares.
Focar a atenção
“É um momento zen, relaxante que me acalma e me retira da rotina totalmente”, confirma Vasco Águas, consultor de comunicação, que nos tempos livres se dedica ao macramé e que até tem um alter-ego para essa sua faceta. Quando pega no fio, torna-se o Barbudo Aborrecido, mas aborrecimento é coisa que não tem quando está de volta de uma peça.
“Não dedico tanto tempo como gostaria, mas, se for preciso, estou ali dez horas sem pensar em mais nada. Quer dizer, às vezes, penso noutras peças que gostaria de fazer e aponto as ideias num caderno para não me esquecer para futuras obras”, conta.
Por vezes, gosta de estar em silêncio, noutras, aproveita o tempo em que está a fazer macramé “para ouvir podcasts ou até ouvir séries em modo podcast”, ou seja, só houve os diálogos e de vez quando espreita para o ecrã. “É aquele momento que tenho só para mim e isso é muito bom”, assegura.
Se a falta de tempo para nós próprios é prejudicial, o excesso de tempo livre também o é
A felicidade do lazer
Se a razão que invoca para não ter um hobby é a falta de tempo, talvez seja melhor olhar bem para os seus dias e perceber o que faz quando sai do trabalho e ao fim de semana.
Não fazer nada é importantíssimo, já passar horas intermináveis à frente dos ecrãs é prejudicial. Usar o tempo livre para estar sempre a olhar para o smartphone só vai fazer com que o cérebro pense que continua a trabalhar, além de ser uma atividade que a impede de sociabilizar com quem está à sua volta.
E, já que falamos de tempo, não podemos deixar de fazer referência à investigação publicada recentemente no Journal of Personality and Social Psychology, da Associação Americana de Psicologia, que analisou a relação entre a felicidade geral na vida e a quantidade de tempo livre de mais de 35 mil americanos.
Este estudo refere que precisamos, em média, de duas a cinco horas por dia de tempo livre para nos sentirmos felizes. Curiosamente, neste estudo, ficou ainda provado que a sensação de bem-estar provocada por essa liberdade começa a cair após cinco horas de lazer.
Portanto, se a falta de tempo para nós próprios é prejudicial, o excesso de tempo livre também o é, como avisa Marissa Sharif, professora na The Wharton School, da Universidade da Pensilvânia, e autora principal do artigo, no comunicado de imprensa sobre o estudo.
Aprender e agir
Um hobby parte geralmente de um interesse, mas vai além deste, porque pressupõe uma ação, ou seja, não basta interessar-se; é fundamental pôr as mãos na massa, aprender a fazer algo.
Voltemos, então, a Beatriz Silva, que recua 16 anos para nos contar como tudo começou, numa mesa de um café num encontro de tricô a que foi com umas amigas. “A partir daí, nunca mais parei, comecei (e continuo) a fazer workshops de tudo aquilo que me interessa e a comprar livros para aprender sempre mais”, explica.
Passou a fazer as suas peças de malha, a costurar e até a remendar a sua roupa. “Durante o confinamento fiz um workshop de remendos da marca de roupa inglesa Toast. O consumismo em que vivemos não é nada saudável, nem para o ambiente nem para nós”, refere.
Além da roupa, costuma fazer sacos, esponjas de lavar loiça ecológicas, candeeiros em origami (técnica japonesa de dobragem de papel que dá origem a esculturas), entre outros objetos.
Escolha pessoal
Não há uma fórmula secreta para saber qual deverá ser o seu hobby, “depende muito de pessoa para pessoa, mas o importante é que consiga desligar enquanto está dedicado àquela tarefa e lhe dê prazer”, diz José Soares.
Opinião semelhante tem Sandra de Carvalho Martins, psicóloga, que afirma que “os hobbies devem ser gratificantes para o nosso corpo, para a nossa mente e bem-estar”, diz a psicóloga.
A também autora do livro Um Cérebro à Prova de Cansaço lembra que “está provado que as pessoas que mais se ativam e têm uma atividade mental estimulante ao longo da vida têm menor risco de vir a ter demência. Novas aprendizagens desencadeiam novas ligações entre os neurónios e mantêm as substâncias químicas do cérebro a fluir”.
Há quem opte por algo que sempre quis fazer, outros olham para a infância e para as atividades que os faziam felizes na altura e recuperam-nas, outras pessoas experimentam várias atividades para perceber qual ou quais as que mais gostam.
Vasco Águas passou por um processo semelhante. “Fiz sempre muitos workshops de técnicas manuais e foi quando fiz um de macramé que redescobri esta técnica que tinha aprendido no sexto ano, mas que tinha ficado esquecida”. O gosto pela bricolage já é antigo e, se, “há quem adore ir ver lojas de roupa”, ele prefere “as lojas de bricolage, de ferragens, de peles e retrosarias”.
Todo o tempo do mundo
Marissa Sharif, no comunicado já citado, salienta ainda que a importância de ter um propósito para o tempo livre é ainda maior para as pessoas que perderam o emprego ou se reformaram. Não foi preciso muito tempo de aposentadoria para Mário Dias perceber isso.
O antigo engenheiro é um exemplo de que nunca é tarde para aprender um novo hobby. Viu uns vídeos na Internet, comprou um tordo e a madeira passou a fazer parte do seu dia a dia. Estávamos em 2019 e a primeira obra foi um tabuleiro de xadrez para o neto, por sinal, “a que lhe deu mais gozo fazer até hoje por ter sido um grande desafio, por até então, nunca ter feito nada em madeira, e pela minuciosidade das peças”.
Este não é o primeiro hobby de Mário Dias, que já fez, entre outros, mergulho, pesca, caça submarina, todo-o-terreno, mas, como diz, “a vida é ir abdicando de algumas coisas e criando novas”, e foi isso que fez.
Foi também neste hobby que se refugiou durante os confinamentos que a pandemia provocou. Resultado, as peças foram-se acumulando e, quando os netos viram o que avô tinha feito, surgiu a ideia de criar uma marca artesanal, impulsionada pela neta mais velha.
“Ela estava a ter aulas de empreendorismo no colégio, e pensou em tudo desde o nome da marca – Dias Wood Creations – logotipo, a loja do Shopify e até o Instagram, tudo com a ajuda dos irmãos”.
O envolvimento dos netos “tem sido a parte mais interessante desta brincadeira, mas não a tornou obrigatória”. “Continuo a fazer as peças só quando tenho vontade, obrigações já tive muitas durante mais de 40 anos, agora, é só pelo prazer, para me manter ocupado, mas sem horários rígidos”.
De hobby a profissão?
A transformação de um hobby numa marca também não é algo estranho a Vasco Águas, que tem feito trabalhos por encomenda e que, tal como Mário Dias, pertence à rede de artesãos portugueses contemporâneos Portugal Manual.
“Foi quando me encomendaram um painel de grandes dimensões que percebi o rumo que queria dar a este hobby”, diz. Foi, assim, que se especializou na vertente mais artística do macramé, os painéis. “Tenho algumas peças expostas nas lojas Banema, mas são aquelas que faço para testar as coisas que imagino quando estou de volta do macramé”.
Beatriz Silva também já fez uma parceria com a marca de carteiras em pele Sul, mas para ela não é algo muito atrativo, apenas “porque se torna muito repetitivo” e não acha “muita piada a isso”. Prefere oferecer as peças que faz, pois assim pode fazer sempre algo diferente e é isso que a estimula.
A próxima aventura será aprender a fazer colheres de madeira e apostar mais na tecelagem, tendo já adquirido um tear. “A vontade de aprender e de me desafiar está sempre presente”, remata.