Viagens e lazer

Crónica. Como tem sido o ensino doméstico num barco

Inês Saldanha e o marido, João Pisco, mais os seus quatro filhos, preparam-se para embarcar, literalmente, na aventura das suas vidas. Intitulam-se Wind Family e vão viajar de veleiro por todo o mundo.

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Crónica. Como tem sido o ensino doméstico num barco Crónica. Como tem sido o ensino doméstico num barco
© Wind Family
Inês Saldanha, cronista
Escrito por
Nov. 26, 2020

Aprender não deve ser uma obrigação! Quando damos liberdade a uma criança para ser curiosa, para descobrir e espaço para adquirir conhecimento ao seu ritmo, estamos também a ensinar o quão maravilhoso pode ser aprender.

Enquanto adultos, percebemos que quando fazemos alguma coisa por gosto, e outra por obrigação, temos motivações completamente diferentes. Nas crianças, sem filtro para disfarçar, veem-se os seus olhos radiantes a beberem informação que tanto desejam em paralelo com qualquer matéria imposta. Ora, portanto, ensino doméstico, para mim, é isso!

É cativar a criança a descobrir, a querer saber, a procurar respostas às suas perguntas. E de uma forma natural, evoluir enquanto ser humano capaz de deter tanto conhecimento.

Ser curioso é o princípio básico de um ensino baseado na procura orgânica do saber. Quando eu quero aprender, tenho gosto em assimilar e assim vou caminhando ao ritmo que é ideal para mim.

O ensino doméstico, tal como o nome indica, é feito em casa e, naturalmente, tem a forte influência da visão sobre educação que os tutores têm e querem passar. Na minha opinião, educar e aprender é algo redondo e que abrange muitas vertentes do ser, estar e fazer.

O ensino doméstico é para mim uma forma mais livre de levar a educação
Inês Saldanha Inês Saldanha

De que me vale uma criança saber de cor e salteado os países e capitais do mundo se, daqui a duas semanas,  tudo não passou de um simples texto lido, relido e simplesmente decorado? De que me vale estar uma criança no quarto a estudar se no recreio, entre os pares, não consegue afirmar o seu Eu? De que me vale formar alguém sem ter em conta todos os aspetos que nos tornam realmente humanos com estruturas e capacidades para encontrar a felicidade e satisfação?

Volto ainda atrás. Será que aprender a esperar, a lutar por alguma coisa ou simplesmente a ajudar o próximo não são bases tão ou mais fundamentais do que saber uma tabuada?

Volto ainda mais atrás. Será que damos tempo suficiente às nossas crianças para brincarem livremente e arriscarem, percebendo a causa-consequência dos seus atos? Será que a intervenção em demasia do adulto nas brincadeiras entre pares não lhes tira, de alguma forma, a capacidade para resolver problemas e conflitos tão necessários à sua formação, para que um dia se tornem adultos resilientes?

O ensino doméstico é para mim uma forma mais livre de levar a educação, não menosprezando nunca a importância das bases fundamentais que o Português e a Matemática têm nas nossas vidas, como partes integrante do pensar, refletir e do saber.

A flexibilidade das matérias e aprendizagens, a avaliação livre de métrica e a descontração do ensinar de forma prazerosa podem levar a resultados surpreendentes e geniais! Quando falo em liberdade de ensino não quero desmesurar nunca a importância de rotinas, obrigações e responsabilidades, mas sempre com o olhar da criança como parte integrante das suas ações.

Como as crianças estão a reagir

Desde que iniciámos a viagem pelo mundo que fazemos do ensino doméstico uma rotina diária, e temos crescido imenso. Percebemos que podemos aproveitar a viagem para aprender in loco e fazer do mundo uma aprendizagem rica e abrangente.

As crianças andam felizes e livres e, embora o horário seja muito reduzido em relação ao ensino normal, creio que não há redução nas aprendizagens, pelo contrário, sinto-os mais capazes e envolvidos do que nunca.

É uma verdade que nem sempre os dias são fáceis no ensino doméstico, mas o caminho vai-se desenvolvendo e melhorando à medida que continuamos as nossas rotinas e que nos adaptamos todos a esta nova realidade.

Não espero que os meus filhos saibam exatamente o que as outras crianças aprendem no currículo normal das escolas portuguesas, até porque estão inscritos numa escola internacional que trabalha através de projetos, ao invés de conteúdos obrigatórios, deixando assim maior liberdade na aprendizagem.

Por outro lado, acredito que também possam desenvolver outras competências importantes para as suas vidas e que o mundo e as suas particularidades lhes possam trazer relevantes e abrangentes saberes.

 

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Continuamos a crescer todos em conjunto e a desenvolver empenhados neste trabalho de ensinar os nossos filhos, com a ajuda da escola que nos suporta através das suas advisors e que nos encaminha neste processo para que possamos fazer um bom trabalho.

É um paradigma diferente do normal, onde não existe uma avaliação como estamos habituados e onde os testes são inexistentes. Isso faz alguma confusão no início e questionamos várias vezes “será que eles vão mesmo aprender?”

Mas à medida que o tempo passa, começamos a perceber que a capacidade, responsabilidade e autonomia das crianças é muito maior do que aquilo que algum dia se imaginou. Por agora, o ensino doméstico é o nosso caminho fazendo world schooling com os nossos filhos diariamente, naquela que está a ser a viagem das nossas vidas, de veleiro, à volta do mundo!

Inês Saldanha, 37 anos, e o marido João Pisco, 44, vão partir a 12 de setembro numa viagem que demorará alguns anos até terminar. Consigo levam os seus quatro filhos: Alice, 10 anos, Manuel, 8, Francisco, 5, e Teresinha de apenas 2. Podem acompanhar as aventuras da Wind Family no Instagram.

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