Viajar com uma doença não tem de ser impossível. É desafiante e exige muita planificação da nossa parte. Jamais podemos mudar de cidade ou de país sem que os tratamentos estejam já marcados. Temos consciência de que, se falharmos alguns tratamentos, é uma vida que estará em causa mas que, correndo tudo bem, são muitas as que podemos salvar.
Dizemos com frequência que temos mais medo de não aproveitar a vida e o presente do que propriamente de morrer. Se há coisas que não estão nas nossas mãos é quando a vida termina e, por isso, devemos aproveitá-la ao máximo. Devemos sair da nossa zona de conforto e de arriscar mais.
Já fizemos tratamentos em tantos países que, nem se juntarmos as duas mãos vamos conseguir contar. Ainda queremos continuar a fazê-lo por mais uma dúzia e meia.
“Nem sempre é simples”
Acordar cedo num país diferente tem tanto de aterrador como de bom. Habitualmente, os tratamentos são feitos cedo e o Filipe já teve a possibilidade de ver os nasceres do sol mais bonitos do mundo.
Em Santorini, o caminho fez-se de mota desde o hotel até ao tratamento e, quando acordei, tinha uma mensagem a desejar-me uma boa manhã e com um pequeno video do nascer do sol que tinha perdido, visto do alto, sem ninguém por perto. Aquilo deu-lhe tranquilidade a ele, e a mim.
Mas nem sempre é simples. Os tratamentos nem sempre correm como esperado e o cansaço torna-se uma limitação para o resto do dia. Se há dias em que a energia está no máximo, há outros que sabemos que temos de abrandar com a viagem e tirar o dia para descansar. É nesses dias que ponho o trabalho em dia, enquanto o Filipe dorme durante a tarde. O Guilherme vai-se distraindo em jogos, sestas e histórias.
“A vida não se define apenas pelos dias que vão passando
Se há coisas que não temos dúvidas é que viajar à volta do mundo está a ajudar a que ganhemos vida. E a vida não se define apenas pelos dias que vão passando, pelas horas, pelos minutos… A vida é aquilo que sentimos dentro de nós, as experiências que vamos vivendo e as pessoas com quem nos vamos cruzando.
Poder viajar enquanto se tem uma doença é lembrar-nos todos os dias que existem motivos pelos quais podemos estar gratos e isso faz com que muitas vezes o cansaço seja abatido pela vontade de explorar uma cidade ou uma praia nova. Neste momento já temos os tratamentos marcados até dezembro. E falamos disto no plural porque dividimos as coisas boas e as menos boas. A doença é dos dois e participo sempre em tudo o que posso.
O Filipe já fez tratamentos em Toronto e em Bali. Em Singapura e na Macedónia. Na Grécia e na Bulgária. Todos correram bem até agora e, em breve, arriscaremos um bocadinho mais: Índia, Sri Lanka, Tailândia, Taiwan e Dubai são apenas algumas das cidades que visitaremos nos próximos meses.
“Esta viagem também serve para quem tem a doença do ‘comodismo'”
Se há quem lamente a doença, nós celebramos a vida. Queremos provar que é possível visitar um familiar do outro lado do mundo. Que é possível construir familia e carreira em qualquer parte do globo. A vida e os tratamentos existem em todo o lado e que não existem doenças melhores nem piores. Que não existem vidas melhores ou piores.
Tudo é relativo aos nossos olhos e aos olhos de quem nos vê. E esta viagem não serve apenas para quem sofre de insuficiência renal, serve também para quem tem qualquer outra doença, mesmo que essa doença possa ser o “comodismo”, como lhe chamamos.
Estamos a dar a volta ao mundo com um bebé de dois anos, já se passaram cinco meses. O Gui conhece 25 países e a única coisa que lamentamos foi de não termos vivido ainda mais quando a insuficiência renal não existia na nossa vida. Afinal, se nós conseguimos, qualquer pessoa consegue tudo, certo?
Catarina, Filipe e Guilherme são os protagonistas desta história. Durante um ano, podemos segui-los no Instagram @allaboardfamily e no blogue familiar All Aboard Family onde podemos ver os locais de cortar a respiração por onde passam, as delicias da infância feliz do Gui e as rotinas próprias de quem faz hemodiálise três vezes por semana, em 30 países diferentes.