Viver sozinha ainda é visto como um estigma e foi para contrariar essa ideia que a coach, especialista em marketing e guia turística Jane Mathews se lançou na escrita de A Arte de Viver Sozinha e Adorar (Contraponto), o livro que queria ter lido quando, como a própria realça, “um inesperado divórcio” a empurrou para uma vida a solo aos 49 anos.
Vive sozinha há nove anos e não hesita em dizer que é feliz e que prefere esta forma de vida, mas nem sempre foi assim: “Foi um caminho que tive de percorrer até encontrar as estratégias certas para me sentir bem”, garante.
“Não deixar de fazer nada por estar sozinha” é o conselho que dá a quem está na mesma situação e “são já quase 300 milhões de pessoas em todo o mundo, é a maior tendência sociodemográfica desde os baby boomers” – em Portugal, de acordo com os últimos dados revelados pelo Instituto Nacional de Estatística, 939 mil pessoas vivem desta forma.
Já se fala de epidemia silenciosa, mas Jane Mathews prefere debruçar-se sobre o seu combate: “A solidão ultrapassa-se com a proatividade, até porque a solução não é fecharmo-nos em casa a ver séries, é sair, fazer cursos, conhecer pessoas, viajar”, diz.
Entrevista a Jane Mathews
O que é que descobriu sobre si depois de ter começado a viver sozinha?
Descobri muita coisa, até porque passei a estar aberta a coisas que nunca pensara estar e percebi que as pessoas que vivem sozinhas são muito fortes. Mas isso não acontece do nada, temos de puxar por nós. Em primeiro lugar, temos de gostar de nós próprios e gostar de estar connosco. Se assim for, nunca nos sentimos completamente sós.
Em segundo lugar, a ação é o grande inimigo da solidão. Temos de ser proativos, organizar coisas para fazer todos os dias (ir ao cinema, marcar encontros com os amigos, ir de férias…). A solução não é ficar em casa a ver a Netflix com um copo de vinho na mão. Viver sozinha não é estar só.
Quais foram as grandes mudanças na sua vida desde que começou a morar sozinha?
Muitos dos meus amigos afastaram-se depois do divórcio, portanto, tive de me esforçar para conhecer novas pessoas, que não teria conhecido se estivesse numa relação e não puxasse por mim para fazer novas coisas. Conheci pessoas no novo trabalho – deixei a publicidade para ser guia turística em Sidney –, em cursos que frequento e até a passear o meu cão.
Claro que conheci algumas pessoas horríveis, mas nada de terrível adveio daí. Também passei de ser autossuficiente para ser incrivelmente autossuficiente e muito independente. Além disso, tive de aprender a ir sozinha a um restaurante e ao cinema.
De quanto tempo é que precisou para se sentir bem nessa nova vida?
Na verdade, mais tempo do que pensava. Demorou mais ou menos um ano. Hoje, gosto muito de viver sozinha e até prefiro, porque posso fazer o que quero, quando quero e sou só eu a impor as regras. Por outro lado, tudo depende de mim e viver sozinha dá o dobro do trabalho.
E vê-se a viver com alguém no futuro?
Não digo nunca, mas estou feliz comigo e não ando à procura de ninguém. Tenho muitos amigos da minha idade que estão a conhecer pessoas em plataformas online, mas isso não é para mim. Encontrar alguém seria fantástico, mas a acontecer tem de ser uma pessoa muito especial e é muito tentador cada um ficar a viver na sua casa (risos).
Porque depois de estar sozinha muito tempo é difícil voltar a dividir o espaço?
Sem dúvida. A minha casa espelha o que eu sou, organizei-a e decorei-a à minha maneira. Além disso, se quiser como o jantar ao pequeno-almoço e está tudo bem (risos).
Mas viver sozinha também tem um lado negativo…
Há dois pontos críticos: a solidão que se pode sentir no Natal e nos aniversários e as finanças. Há três anos ninguém se lembrou do meu aniversário… não é que esperasse que os amigos se lembrassem, mas tenho dois filhos e esperava que não se esquecessem. A partir daí, nunca mais deixei que tal acontecesse.
Organizo sempre um jantar com os amigos e até peço para não levarem presentes, quero apenas estar com eles. Outro aspeto que, para mim, é difícil, é não ter ninguém à minha espera no aeroporto, por isso, peço sempre a um amigo para me ir buscar. Aprendi a evitar os cenários que me podem entristecer e, atualmente, as coisas que mais me chateiam são, por exemplo, não conseguir mudar um móvel ou pendurar um quadro grande. Sinto-me frustrada por não conseguir fazer essas pequenas coisas.
E em relação às finanças?
É muito importante fazer um orçamento para percebermos quais são as nossas despesas, ganhos e o que é realmente importante. Não temos ninguém para dividir despesas, mas elas existem e os impostos também.
No supermercado, é difícil encontrar doses para uma pessoa, o que é muito frustrante porque adoro cozinhar, mas não quero fazer quatro refeições iguais (risos). Por isso é que no livro também sugiro algumas receitas. É muito importante que as pessoas cozinhem e cuidem se si próprias. Tenho amigos que vivem sozinhos e passam a vida a comer cereais ou tostas, acho isso triste e pouco saudável.
No livro também fala de viagens e dos suplementos que é preciso pagar por um quarto single…
Felizmente, as coisas estão a mudar e até já há agências a trabalhar este mercado. Há cada vez mais pessoas a viajar sozinhas e que se juntam a grupos organizados. Viajar sozinho é difícil, mas a boa notícia é que é possível.
Que conselhos daria a quem quer experimentar viajar sozinha?
O ideal é começar por fazer viagens no próprio país; começar com um fim de semana; viajar para fazer um curso de cozinha, em que terá contacto com outras pessoas… O importante é que nunca deixem de viajar por estarem sozinhas.
O mesmo se aplica a idas ao cinema e a jantares em restaurantes. Um conselho: se forem sozinhas, levem sempre uma écharpe; assim, quando forem à casa de banho as pessoas percebem que está lá alguém (risos).
A solidão irá ser um problema de saúde pública?
Absolutamente, não tenho qualquer dúvida disso. É a chamada a epidemia silenciosa e é tão perigosa como o alcoolismo, o absentismo ou fumar 15 cigarros por dia e afeta o sistema imunitário e o coração.
Parece que nunca estivemos tão conectados, mas na verdade nunca estivemos tão sozinhos como hoje. É por isso que temos de nos rodear das pessoas que nos fazem felizes, fazer planos para o futuro, calendarizar atividades e contrariar as estatísticas. Olhemos para os japoneses que vivem mais anos – têm um propósito de vida e vivem em comunidade.
O que é para si saber viver?
É gostar de mim e respeitar-me. É ter um bom grupo de amigos que toma conta de mim e eu deles. Ter muitos interesses, viajar e ter sempre planos profissionais e pessoais para o futuro. Demorou, mas agora sinto-me muito confortável com a minha vida.