Alerta tendência: a que vai saber a comida no futuro?
Encontrámos quatro empreendedores portugueses que, nas suas áreas de especialização, estão muito à frente do que se podem chamar as tendências de alimentação para o futuro. Já pensou no que quer jantar em 2050?
A história da alimentação como a conhecemos tem vindo a sofrer alterações impensáveis e nem precisamos de ir muito longe. Depois de um reinado de abundância de produtos processados e com muito recurso ao reino animal, uma coisa é certa: queremos mais saúde e soluções mais sustentáveis.
Neste artigo, falamos-lhe das tendências alimentares mais em voga. Acredite, já é possível saborear o futuro da alimentação, mesmo em Portugal.
Dos sistemas completos da aquaponia à riqueza nutricional dos insetos, passando por uma carne que afinal não o é, sem esquecer, claro, o biológico, esperamos que desperte o seu nível máximo de curiosidade sobre estes temas futuristas.
Uma alternativa ao reino animal
É um facto que a procura e consumo de carne animal tem vindo a crescer, acompanhando o aumento da população mundial.
A indústria requer uma extensão elevada de terrenos agrícolas e recursos hídricos vastos. Perde-se biodiversidade, ocorre a desflorestação, sem falar na produção de gases de efeito de estufa e poluição aquática associadas. Em resumo, uma catástrofe climática prestes a estoirar.
Para 2050, é completamente inexequível a produção de carne animal para todos. No entanto, não se pode impor que a população no seu todo se torne vegetariana. Mas há um meio-termo. Por esta altura já deve ter ouvido falar de empresas como a Beyond Meat ou Impossible Foods, que se popularizaram muito pelo Ocidente.
Se não sabe do que estamos a falar, fique com a ideia de que estas grandes internacionais têm como objetivo comum a comercialização de produtos vegetais substitutos da carne. Mas como? Carne análoga é, basicamente, um produto 100% vegetal. Uma alternativa não só à própria carne, mas também ao peixe, marisco, aves e insetos.
A sua produção é feita através de um processo de extrusão que permite desenvolver produtos com paladar, textura e poder crocante semelhantes a outros.
Para além do aumento da digestibilidade dos alimentos e biodisponibilidade de nutrientes. Et voilà! Foi exatamente neste universo que encontrámos uma empresa portuguesa, a GAC – Ingredientes & Produtos Alimentares.
No mercado há 20 anos, trabalha em parceria com várias multinacionais, como as que lhe apresentámos, especializadas em vários ingredientes. Assim, aplica novas fórmulas, criando e melhorando produtos, em resposta às necessidades do mercado.
Em primeiro lugar, quisemos saber que produtos ‘análogos’ é que a GAC já produziu. Para isso falámos com Glória Callimaci, à frente da empresa desde o primeiro momento.
Dedicada ao mercado de produtos híbridos há uma década, esta companhia conta com uma longa lista de 100% vegetais, como hambúrgueres, nuggets, salsichas, charcutaria tradicional portuguesa e pré-cozinhados, disponíveis em grandes superfícies comerciais.
Já imaginou um arroz de pato sem pato efetivo, mas com o gosto todo de acordo? Sim, é possível. Outra dúvida justificável: quais os principais benefícios da carne análoga? “São produtos mais saudáveis, já que substituem as proteínas animais por proteínas de origem vegetal, prevenindo patologias que são causadas pelo consumo de carne animal. Apresentam, por isso, um equilíbrio nutricional, além de um menor impacto ambiental” elucida-nos Glória Callimaci.
Será esta a comida do futuro? A engenheira alimentar acredita plenamente nesta premissa, até porque “as proteínas vegetais são digeridas com mais facilidade, contêm baixo índice de gorduras, são livres de colesterol”.
A educação alimentar é, aqui, a chave. Para se aderir a este conceito é necessário sobretudo aumentar a literacia do consumidor. Capacitar para escolhas mais conscientes e acertadas, que promovam a adoção de um estilo de vida saudável.
Um ecossistema perfeito
Falar de tendências na alimentação sem mencionar a aquaponia é uma impossibilidade. Para compreendermos melhor esta atividade, conversámos com o empreendedor português João Cotter, que, pela visão da sua empresa, a Aquaponics Ibéria, nos fez submergir neste mundo novo.
“A aquaponia é uma técnica de produção alimentar que alia a aquacultura (produção controlada de organismos aquáticos, como peixes, moluscos, crustáceos e plantas aquáticas) com a hidroponia (cultivo de plantas sobre a água)”, começa por explicar.
“Agora imagine: tem um circuito de água em que os peixes produzem variados nutrientes na água através do seu metabolismo. Depois, esta atravessa um sistema de filtragem, passando pelas raízes das plantas (podem ser alfaces, curgetes, aromáticas…) para que estas absorvam este fertilizante natural, crescendo saudáveis e, em simultâneo, limpando a água, que regressa aos tanques dos peixes”.
Cria-se, desta forma, um sistema circular perfeito em que, além de a água ser totalmente reciclada, permite-se que num espaço reduzido sejam produzidas toneladas de peixe e uma enorme quantidade de vegetais de uma forma natural, orgânica e sustentável. Esta é a base da aquaponia.
A Aquaponics Iberia, fundada em 2017, é pioneira na sua área na Península Ibérica e dedica-se à consultoria, formação, design, engenharia e implementação de sistemas e tecnologia de aquaponia em espaços públicos (hotéis, restaurantes…) e particulares (agricultores, proprietários de terrenos, etc.).
“A nossa motivação é a de ‘semear’ sistemas de produção de alimentos frescos, saudáveis e efetivamente sustentáveis nas cidades do nosso planeta”, revela-nos o empresário.
Quanto aos benefícios presentes, destaca-se a elevada poupança de água, a enorme produtividade por área, sem necessidade de solo (pode produzir-se em estufa, num terraço ou armazém) e a não utilização de fertilizantes sintéticos.
“É a ferramenta ideal para incrementar a soberania alimentar sustentável e saudável de um país, região ou cidade no que respeita a peixe e vegetais”. Finalmente, o grande projeto da start-up, no momento, é o Fish n’ Greens.
A primeira cidade a receber esta iniciativa é Torres Vedras, onde num único espaço se pretende incluir um sistema de produção em aquaponia em interface com o consumidor local, ou seja, uma loja de produtos frescos, um restaurante saudável e uma área para formação neste tema e visitas guiadas. Desconfiamos que não se vão ficar por aqui.
Improvável fonte de proteína
Pode ter-lhe passado ao lado a data, mas, no último 27 de outubro, celebrou-se o Dia Mundial do Inseto Comestível, com várias iniciativas associadas. Desengane-se quem pensa que se trata duma ocorrência pontual e excêntrica, com o objetivo de chocar.
É, pois, no seguimento das orientações da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), que quer reintegrar os insetos como fonte proteica na alimentação humana, que nos situamos.
De facto, este alimento faz parte da alimentação quotidiana de cerca de dois mil milhões de pessoas, em diversas culturas. E que, em 2050, estimando-se que a população mundial alcance quase os dez mil milhões de pessoas, torna-se imperativo inovar um sistema agroalimentar para sustentar tantas bocas.
É exatamente este o objetivo da Portugal Bugs, start-up sediada em Matosinhos. O fundador, Guilherme Pereira, começou por compreender como se produziam insetos para alimentação humana na sua garagem.
Já se havia formado em Engenharia Alimentar em 2016, altura em que, desafiado por um professor, degustou pela primeira vez tenébrios, grilos e gafanhotos desidratados. Daí a ter tema para o seu projeto final foi um ápice.
Guilherme Pereira projetou a Portugal Bugs, entretanto com instalações próprias, em duas áreas de atuação: a produção industrial de insetos para fins alimentares e o desenvolvimento de produtos alimentares com insetos.
O que a distingue? Além de ser a primeira empresa no país dedicada exclusivamente à produção de insetos para a alimentação humana, está totalmente preparada para ser a primeira a lançar no mercado nacional uma gama exclusiva deste tipo de produtos. Quais as vantagens? Dois benefícios maiores se elevam.
Primeiramente, as características nutritivas do produto, que é uma extraordinária fonte de proteína, contendo em si todos os aminoácidos essenciais e com uma riqueza imensa ao nível dos macro e micronutrientes (fibra, zinco, ferro, cálcio, ómega-6, ómega-3 e vitaminas).
Depois, a solução de sustentabilidade que representa para o planeta: os insetos são extremamente eficientes a transformar o alimento ingerido em massa comestível, podendo reduzir até cinco vezes a quantidade de ração gasta, bem como o consumo direto de água, quando comparados com as fontes de proteína tradicionais – vaca, porco e galinha.
Acaba também por se reduzir em grande número a quantidade libertada de gases de efeito de estufa.
“Não tenho dúvida de que os insetos vão fazer parte da nossa alimentação num futuro próximo, pois encontramo-nos na altura de efetuar as alterações para que seja possível equilibrar a nossa balança ambiental e começar a optar por soluções mais sustentáveis. A ideia é que, no futuro, todos possamos ter acesso ao mesmo tipo de alimentos. Hoje, estamos muito mais recetivos a esta ideia”, revela-nos, prontamente, Guilherme Pereira.
Apesar dos entraves legislativos ainda existentes, o que impulsionará esta expansão, segundo o empresário, é a plena consciência de que Portugal tem um enorme défice de alimentos, sendo bastante dependente da importação externa.
Os insetos podem não só auxiliar na redução desta dependência, como permitir a autossuficiência na produção de proteínas alimentares de elevada qualidade, contribuindo para um País com uma economia circular mais vincada.
Agricultura do bem
Atualmente, pouca ou nenhuma dúvida há de que a agricultura biológica – método de produção agrícola onde não são aplicados produtos químicos sintéticos como herbicidas, pesticidas, hormonas ou fertilizantes químicos, nem se recorre à utilização de organismos geneticamente modificados – é o futuro.
Mas, em 2009, quando saíram da Quinta do Arneiro os primeiros produtos biológicos certificados, Luísa Almeida estava muito à frente do seu tempo. A quinta está na sua família desde 1967, apesar de o atual projeto ter ganho vida muito tempo depois.
Atualmente, além da mercearia, do restaurante e dos eventos, a Quinta do Arneiro especializou-se nos cabazes que tanto frenesim causam. “O que somos mesmo é agricultores”, conta-nos sem pretensões Luísa Almeida, e continua: “Só temos hortícolas aqui na quinta e morangos na época dos morangos, o único fruto. Além disso, produzimos sopas, sumos, compotas, molhos e bolachas”, sempre de acordo com a simplicidade que os rótulos exigem.
Existe um perfil do comprador bio? “Os compradores biológicos são os melhores compradores do mundo. São pessoas realmente preocupadas em mudar alguma coisa, não só para eles, como para todos. São pessoas esclarecidas”, declara.
E será mesmo mais caro comprar biólogico? “As pessoas ainda desconfiam do biológico, mas para o fazerem têm de desconfiar de tudo na vida. Qualquer um de nós pode ser enganado, o biológico em si não é o papão dos enganos”.
Ainda nesta temática, explica-nos que não se trata de ser mais caro, mas tem antes a ver com as escolhas dos consumidores, que muitas vezes privilegiam comida processada, sobrando-lhes pouco orçamento para o que é natural.
Os benefícios do bio, esses já sabemos: está-se não só a salvar a vida do planeta como a privilegiar a saúde, mas, nesse caso, quais as principais motivações para comprar biológico?
Além da saúde e ambiente, estará relacionado com o bem-estar animal? Com a proteção da economia local? Com o sabor? Luísa Almeida identifica duas situações em que as pessoas recorrem mais à Quinta do Arneiro: quando se tornam pais e quando adoecem e percebem que têm de mudar a alimentação.
Pelo contrário, o que ainda poderá dissuadir esta escolha? De entre a acessibilidade, satisfação com os produtos tradicionais e perceção do preço, Luísa Almeida afirma que a única coisa que pensa, realmente, impedir que a população se renda ao biológico seja mesmo a falta de conhecimento.
Finalmente, uma questão que também poderia ser a sua. Se todas as pessoas consumissem biológico, haveria escassez? Luísa Almeida, em resposta, fala-nos no facto de um terço de toda a comida produzida atualmente ir para o lixo e de haver uma falta de respeito pela comida. Percebemos, imediatamente, o que quer dizer. Uma última questão. Bio é sempre melhor? “Sempre”.