Nutrição

Comida processada: Há ligação direta com o risco de cancro?

O que ingerimos pode ter efeitos – graves, se não gravíssimos – na nossa saúde. Quem o diz é o Anthony Fardet, autor de um novo livro que explora o tema dos alimentos processados e ultraprocessados.

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Comida ultrapocessada: Há ligação direta com o risco de cancro?
Escrito por
Mai. 17, 2018

Alimento dá saúde. Ou será doença? Um estudo recente, publicado no BMJ (British Medical Journal), volta a lançar a questão e as conclusões são preocupantes: ao comparar o risco de cancro com a alimentação, investigadores identificaram uma relação entre a ingestão regular de alimentos ultraprocessados e um aumento de risco de cancro de até 12%.

Anthony Fardet, autor do livro Halte Aux Aliments Ultra Transformés, Mangeons Vrai (Acabe com os alimentos transformados, coma verdadeiro, em tradução literal), publicado pela Thierry Souccar Editions, investiga na área da nutrição e aponta o dedo às armadilhas atuais: os alimentos ultraprocessados e a dieta baseada na composição alimentar.

3 regras de ouro para uma alimentação saudável, ética e sustentável

Vegetal: Não ingerir mais do que 15% de calorias diárias de origem animal (aproximadamente duas porções/dia).

Verdadeiro: Não consumir mais do que 15% de calorias diárias de produtos ultraprocessados (cerca de duas porções/dia).

Variado: Diversificar os alimentos que não são ultraprocessados, optando se possível por alimentos bio, da época e locais.


Entrevista com Anthony Fardet

A Saber Viver falou em exclusivo com o autor do livro que nos alertou para os perigos da comida ultraprocessada e para os benefícios da alimentação holística.

Comida ultrapocessada: Há ligação direta com o risco de cancro?

“É preciso comprar alimentos verdadeiros e substituir os pratos confecionados industrialmente pela comida feita em casa com alimentos reais” Anthony Fardet

Quando se fala em alimentação, engloba-se os alimentos bons e os maus para a saúde. Concorda?

Essa perspetiva é cientificamente falsa. A visão dualista dos alimentos resulta de uma abordagem reducionista que considera os alimentos como uma mera soma de nutrientes. É preciso ver que comemos alimentos e não nutrientes. O todo é superior à soma das partes. A única perspetiva válida é a intervenção a dois níveis: a quantidade consumida e o grau de transformação.

Quer dizer que não há alimentos maus?

Qualquer alimento, seja de origem vegetal ou animal, ingerido em excesso e ultraprocessado torna-se nocivo para a saúde.

Uma dieta baseada nessa visão dualista comporta riscos?

Sim, claro. Todos os regimes com uma abordagem por nutriente ou baseados na ideia dos alimentos ‘bons’ e ‘maus’ estão errados. A prova disso é que as doenças crónicas continuam a aumentar. Não será apenas um alimento ou nutriente isolado que poderá proteger-nos das doenças crónicas, mas um estilo de vida que inclua um regime alimentar complexo e equilibrado.

Que problemas de saúde podemos evitar com os alimentos certos?

A maioria das doenças crónicas como a diabetes de tipo 2, obesidade, doenças cardiovasculares e certos tipos de cancro como o colorretal, a perda óssea ou muscular rápida, o declínio cognitivo e a depressão. É certo que a alimentação não resolve tudo, porque são doenças multifatoriais, mas continua a ser o motor mais poderoso e aquele que é mais rapidamente acionável.

Um produto ultraprocessado é uma formulação industrial com inúmeros ingredientes e/ou aditivos de origem unicamente industrial que melhoram o sabor

O que distingue um alimento natural de um processado?

O primeiro inclui os alimentos no seu estado bruto e aqueles que são descascados, cozinhados, mas sem a adição de ingredientes. Já os alimentos processados são aqueles aos quais se adicionam ingredientes (manteiga, azeite, sal ou açúcar). Inclui todos os preparados culinários caseiros, conservas, produtos fermentados (pão, queijo, vinho, cerveja…). Nestes casos, a tecnologia está ao serviço do alimento para melhorar a conservação, sabor e a digestibilidade, mas são alimentos verdadeiros. Nos produtos ultraprocessados, é o alimento que se coloca ao serviço da tecnologia para reduzir custos de produção e obter lucro. Isto marca a passagem dos alimentos ‘verdadeiros’ aos ‘falsos’. Esta transição nutricional ocorreu provavelmente nos anos 80 e coincide com a explosão da prevalência de doenças crónicas.

Os alimentos ultraprocessados são falsos?

Um produto ultraprocessado é uma formulação industrial com inúmeros ingredientes e/ou aditivos de origem unicamente industrial que melhoram o sabor, a textura e a cor. Tenta-se imitar os alimentos verdadeiros com aditivos ‘cosméticos’.

Muitos produtos ultraprocessados são vendidos com mensagens de marketing

Estamos rodeados destes produtos. Como identificá-los?

Leia a lista de ingredientes e aditivos e se não os reconhecer, porque são usados só pela indústria alimentar, desconfie. Os ingredientes a evitar são os açúcares adicionados escondidos (frutose, sacarose, xarope de milho…), muitas vezes responsáveis, se consumidos em excesso, pela diabetes de tipo 2 e obesidade. Três em cada quatro pratos confecionados industrialmente contêm este tipo de açúcares.

Quais são as principais armadilhas alimentares?

Pensar que ingere nutrientes e referir-se à composição nutricional. Muitos produtos ultraprocessados são vendidos com mensagens de marketing (‘trigo integral’, ‘enriquecido em ómega-3′ ou ‘em fitoesteróis’) que levam a crer que são bons para a saúde, quando são produtos reconstituídos e ultraprocessados.

Ingerir 500 kcal de alimentos pouco processados não é o mesmo que consumir 500 kcal de alimentos ultraprocessados

Que descoberta mais o marcou até agora?

A relação entre a ideia reducionista, os alimentos ultraprocessados e as doenças crónicas. Os três estão intimamente ligados. Isto levou-me a desenvolver o conceito de alimentação holística e a estudar o seu impacto ético e benéfico. Outra grande descoberta é o ‘efeito matriz dos alimentos’.

O que é esse efeito?

Dois alimentos com a mesma composição em nutrientes, mas com matrizes diferentes não têm o mesmo efeito na saúde e, por isso, nem todas as calorias são equivalentes. Ingerir 500 kcal de alimentos pouco processados não é o mesmo que consumir 500 kcal de alimentos ultraprocessados.

Quais os benefícios da alimentação holística?

Vê-se o alimento no seu todo e considera-se que a complexidade dos alimentos verdadeiros é melhor para a saúde do que as partes isoladas (nutrientes). Por exemplo, para perder peso é preciso regressar aos alimentos pouco processados. Não se perde peso com produtos ultraprocessados light. Por outro lado, a matriz interfere na sensação de saciedade e na velocidade de digestão e de absorção dos nutrientes – dois parâmetros essenciais para prevenir a diabetes de tipo 2 e a obesidade.

A ciência mostra que os vegetarianos não têm um risco de vir a ter doenças adicionais

Comer bio, vegetariano ou até vegan tem vantagens?

Sim, para o meio ambiente e para o bem-estar animal, mas para a saúde é preciso evitar os produtos ultraprocessados, mesmo de origem vegetal. A ciência mostra que os produtos bio têm mais compostos protetores (antioxidantes), mas há poucos estudos. A ciência mostra que os vegetarianos não têm um risco de vir a ter doenças adicionais. Já no que se refere à dieta vegan, há menos dados científicos.

Como podemos comer de forma verdadeira?

É preciso comprar alimentos verdadeiros e substituir os pratos confecionados industrialmente pela comida feita em casa com alimentos reais.

Como serão as nossas compras em 2050?

Imagino um cesto de compras flexitariano ou semivegetariano, no qual o elemento principal serão os produtos vegetais e os de origem animal, um acompanhamento esporádico.


Sabia tudo isto sobre alimentos processados e ultraprocessados? Saiba ainda quais os alimentos ricos em ferro que devia incluir na sua alimentação.

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