Somos um super-organismo. “90% do que somos são micróbios”, afirmam os cientistas que nos últimos 15 anos se têm dedicado ao estudo deste fascinante mundo microscópico que transportamos connosco.
Estima-se que, em número, sejam qualquer coisa como 100 triliões de micro-organismos, e que nos afetem profundamente, calibrando as respostas do sistema imunitário e influenciando a predisposição para o desenvolvimento de uma série de doenças (como a obesidade e a diabetes).
Até mesmo os alimentos em que somos viciados e as nossas idiossincrasias podem revelar pistas úteis sobre o tipo de parceria que estabelecemos com eles.
Faça as pazes com os micróbios
Dedicámos a última crónica ao microbioma, nome dado ao conjunto de todos os micro-organismos (e dos seus genes) que vivem nos tecidos, mucosas e fluidos humanos.
Falámos sobretudo das bactérias, da cooperação que mantemos com elas, principalmente no interior do nosso sistema digestivo, e da influência que têm na nossa perceção do mundo através do íntimo e curioso diálogo que mantêm com o cérebro. A nossa vida está intimamente ligada à sua existência.
Pequenas mas poderosas
Com cerca de 3,5 milhões de anos, as bactérias são um dos mais antigos habitantes do planeta. Qual o seu segredo? Adaptam-se a tudo.
Em resposta a alterações do meio ambiente que ocupam, podem alterar, perder ou ganhar genes, e multiplicam-se, duplicando de número numa questão de minutos.
Esta aptidão única é conhecida como plasticidade, que representa uma vantagem não só para elas, mas também para nós, como veremos adiante.
Estima-se que, em adultos, teremos no mínimo cerca de 150 vezes mais genes microbianos do que genes humanos. E, ao contrário do genoma humano, uma herança dos nossos pais, o microbioma pode ser alterado ao longo da vida (criando vantagens ou desvantagens).
Tão única como as suas culturas
As nossas particularidades começam a ser construídas à nascença, assim que saímos do ambiente salgado da nossa mãe.
O mundo a que somos expostos, especialmente em bebés e na primeira infância, começa a delinear a força e a biodiversidade das nossas culturas interiores. Este início, desempenhará um papel crucial para o resto da nossa vida.
A ideia principal é a de que uma criança nascida de um parto natural, amamentada, exposta ao ar livre, aos animais e a uma numerosa tribo de “co-cuidadores”, gozará de uma biodiversidade interior mais robusta, com implicações na sua imunidade, claro.
O ambiente interno é a chave
Muito do que somos hoje é o resultado de um longo caminho de escolhas, como já foi dito em crónicas anteriores.
A cada passo, produzimos o ambiente interno onde a criação da nossa vida se desenrola. O que pensamos, o que fazemos e o que comemos entram nesta equação.
Se algumas variáveis são mais subtis, a matéria-prima que comemos tem uma grande influência sobre a condição do meio ambiente intestinal, que por sua vez acolhe e determina quais as bactérias que prosperam.
Os intestinos são, por isso, o órgão de regeneração por excelência e a nossa vitalidade depende da vida que neles é produzida.
O ambiente interno intestinal é simultaneamente o problema e a solução, e depende de nós moldá-lo.
A força das segundas oportunidades e a plasticidade
A nossa geração tem passado por grandes desafios, muitos decorrentes de uma crescente separação da natureza e do stresse que temos imprimido à nossa existência.
A industrialização dos solos, da agricultura e da produção alimentar tem posto em risco a biodiversidade dos nossos parceiros, fora e dentro de nós.
No entanto, uma mudança global é possível quando descobrimos que a saúde da nossa biodiversidade interior depende da saúde da biodiversidade do meio que nos rodeia.
As escolhas alimentares que fizermos para transformar uma comunidade microbiana intestinal mais tóxica, patogénica e empobrecida, aliam-se assim à defesa de um mundo mais plural, cooperativo e sustentável. Esta visão da saúde é o fundamento da filosofia macrobiótica.
Passar à ação em 12 passos simples
1. Comece por fortalecer o centro do sistema digestivo e respire através do centro do seu abdómen
Inspire (como se o ar viesse de baixo para cima) e encha a zona baixa do abdómen de ar, que se projeta, naturalmente, para a frente. Pause por uns segundos. Expire recolhendo o abdómen para dentro e para baixo, em direção à terra.
Se quiser produzir efeitos mais intensos, faça com que o ar expelido se escute. Comece com 1, 2, 3 minutos diários.
2. Crie uma circulação ativa no corpo e aumente a temperatura
Mexa-se usando as pernas.
3. Pré-bióticos: o alimento do corpo, que é também o alimento das suas bactérias
Coma plantas. As plantas transformam a energia do sol em hidratos de carbono complexos.
Coma, por isso, alimentos íntegros, cheios de energia, de nutrientes e de fibra: cereais integrais (arroz integral, millet…), leguminosas (grão, feijão, lentilhas, ervilhas…), vegetais, legumes, raízes, algas, sementes, frutos secos.
Opte por alimentos com casca, com pele, com tudo.
4. Prefira alimentos de produções biológicas ou de hortas locais
E cultivados naturalmente, claro. Solos saudáveis e férteis em microrganismos produzem alimentos mais ricos e nutritivos.
5. Eleja alimentos locais e sazonais
Comer alimentos que alternam com as estações confere-nos uma maior biodiversidade microbiana, que simultaneamente nos favorece na adaptação ao ciclo naturais.
6. Evite a solidão dos alimentos processados, que enchem o corpo de produtos indigestíveis
O verdadeiro alimento é perecível, cumprindo o ciclo da vida e da morte, exceto os alimentos naturalmente secos, como os cereais integrais e feijões, etc.
Os produtos alimentares que se mantêm inalterados por longos períodos de tempo são pobres em energia vital e frequentemente acompanhados de açúcar, gorduras, sal refinado e grande número de componentes industriais prejudiciais.
7. Dê preferência a óleos vegetais de extração a frio, sementes e frutos secos
Evite as gorduras saturadas e alimentos que criam putrefação interna e produção intestinal de substâncias tóxicas.
O consumo regular de produtos de origem animal, como a carne, sobrecarrega todo o sistema, induzindo estados pré ou inflamatórios.
8. Troque o sal refinado por sal marinho
A utilização culinária do sal marinho concentra o efeito dos alimentos por ação da sua riqueza mineral e possibilita o desenvolvimento de formas de vida pró-bióticas no organismo.
9. Coma alimentos fermentados, que podem modelar a sua biodiversidade interna
Recentemente, os próbióticos têm conquistado o mercado de suplementos, mas lembre-se que “vantagens que se mastigam” em forma de alimentos são de uma forma geral, imbatíveis.
Faça, por isso, os seus próprios fermentados, assegurando-se de que de está a comer culturas vivas. Inspire-se neste livro e veja como se faz, aqui.
Se optar pela compra, escolha uma pasta de miso biológica, não pasteurizada, com a qual fará uma deliciosa sopa; e um frasco de chucrute, por exemplo, cuja lista de ingredientes deverá ser apenas couve e sal marinho.
10. Seja cuidadosa na seleção dos seus produtos de limpeza pessoal e doméstica
Toda a extensão da sua pele encontra-se coberta pelo microbioma. A exposição direta a componentes químicos severos e antibacterianos, desregula a produção dos óleos naturais da pele e destabiliza as funções protetoras do microbioma.
Dos sabonetes aos detergentes, passando por toda uma cosmética mais natural, hoje em dia podemos fazer escolhas bem mais biológicas.
11. Siga os conselhos médicos e não se automedique com antibióticos
Frequentemente de longo espetro de ação, eliminam não só os focos de uma infeção como boa parte da restante comunidade probiótica, que levará meses a recuperar.
12. Contacte com o meio exterior
Cultivar um jardim, levar com uma lambidela do seu cão, estar em contacto com a natureza, com terra, com as pessoas e com os amigos, são uma forma prazerosa de aumentarmos a biodiversidade do nosso microbioma, cultivando um sistema imunitário ágil.
Paula Azevedo é consultora, professora e chef de Macrobiótica. Para mais informações, contactar através do e-mail p.narciso.azevedo@gmail.com.