As civilizações antigas viviam e organizavam-se por meio de ciclos. Sol, estrelas, marés, estações do ano, mais frio, mais calor, a luz e a amplitude dos dias marcavam um ritmo que aproximavam os nossos ancestrais da natureza, numa relação que tinha tanto de próxima quanto de necessária.
Mas mais do que uma visão nostálgica sobre o passado, o importante é recuperar alguns gestos, simples e práticos, que nos sintonizem com os ciclos naturais que espontaneamente continuam a influenciar-nos, quer estejamos atentos ou não.
O nosso ritmo interno, chamado de ciclo circadiano, encontra-se totalmente conectado com o que nos rodeia e, de uma forma muito especial, com a luz e com o movimento do sol.
Inspiradas pela luz do sol
A energia emitida pelo sol funciona como bússola que norteia o nosso ciclo interno, os nossos passos e as nossas vontades. Movimentos intestinais, energia disponível e níveis de açúcar no sangue, eliminação de toxinas, temperatura interna, sono e despertar são alguns dos aspetos que se encontram sob o seu poderoso efeito, sem esquecer, claro, os nossos humores.
O sol nasce, ascende, chega ao seu pico por volta das 12h, começa lentamente a baixar, e põe-se.
Diariamente, inspiradas pela luz solar, também nós despertamos de uma noite de sono, ativamos, trabalhamos e gozamos, abrandamos e, finalmente, descansamos.
Já reparou que nas três posições-chave do sol temos refeições?
A medicina oriental diz-nos que, ao vivermos alinhados com o fluxo de ki (energia), reproduzimos as quatro estações num só dia.
- O pequeno-almoço surge como uma primavera: desperta, sobe a energia e agiliza.
- Ao chegarmos ao pico máximo do sol, pelas 12h (que representa o máximo de energia expansiva, o verão), o almoço marca o ritmo, nutre e permite-nos continuar.
- Depois das 12h, a energia muda de direção, baixando num movimento continuo que acaba com um pôr do sol, que nos abranda e relaxa. O jantar reúne, unifica e apazigua, como um outono tardio que prepara o inverno: o momento de voltar para dentro de nós e adormecer.
O que é as refeições têm a ver com a qualidade do sono?
As refeições ajudam-nos a marcar o ritmo, estabilizam-nos e ligam-nos à terra através do alimento. Por isso se diz tantas vezes que a regularidade e a hora das refeições é tão importante como a qualidade do que comemos.
Segundo a medicina oriental, se nos alinharmos com estes movimentos que chegam em forma de ciclos, a vida flui e nós com ela, fazendo desaparecer muitos dos entraves que diariamente nos perturbam.
Acordar cedo, por influência do sol nascente, ajuda-nos a eliminar toxinas, a limpar e a descarregar o excesso – é a hora de ouro para o intestino funcionar.
À noite, a energia mais subtil da lua, das estrelas e dos planetas inspira-nos a dormir profundamente enquanto o corpo e o sistema nervoso, livres de estímulos exteriores, são recarregados.
3 perguntas difíceis sobre o despertar:
- Acorda cansada, irritada e sem fome?
- Sente rigidez muscular, inchaço e entorpecimento físico matinais?
- Desespera por um balde de café antes de começar a funcionar?
3 perguntas difíceis sobre o adormecer:
- Passou o dia numa correria, não perde tempo para uma pausa? Almoça mal ou salta refeições?
- Não desliga sem um copo de vinho? Chega a casa, come desmesuradamente e o sono não chega senão quando desmaia por exaustão no sofá?
- Sente dificuldade em adormecer quando chega à cama e/ou acorda com frequência a meio da noite?
Percebe a ideia? Estar fora do ritmo dá mais trabalho do que estar no ritmo.
A hora do lobo: jantar
O jantar é a pedra de toque para uma noite reparadora.
A fome que sentimos ao jantar está relacionada com a atividade e com o que comemos durante o dia. Se chega a casa com uma fome de leão, com vontade de comer este mundo e o outro, é porque claramente não almoçou, ou almoçou mal. Por isso falámos dos ciclos.
Almoce, não precisa de comer muito, mas não deixe de marcar o seu ritmo e de manter os níveis de açúcar no sangue estáveis para que à noite quando quer dormir (inverno), não tenha um verão interior tão ativo que não prega o olho.
Se comer muito e muito tarde, a digestão será mais difícil e pesada. Ir para a cama com o estômago cheio sobrecarregará todo o seu sistema, dificultando o fígado de cumprir as suas funções noturnas de desintoxicação. Acordará mais pesada, cansada, sem vontade de se levantar e com os tendões entorpecidos.
A renovação do sangue não se cumpriu na totalidade e a esse despertar difícil junta-se o mau humor e alguma (ou muita) irritabilidade, que poderá tentar resolver com um café e com um bolo, o que a longo prazo poderá piorar a situação.
18 passos para marcar o ritmo e dormir bem
Durante o dia
1. Acorde cedo e alinhe-se com o ritmo do sol, só custa o primeiro dia. Tome um bom pequeno-almoço.
2. Se quiser potenciar o fluxo de energia no corpo e na mente no período da manhã, esfregue o corpo com uma toalha quente e húmida.
3. Encontre o seu ritmo diário. Durante o dia, cuide da relação entre atividade e repouso. Se vivermos de tal maneira aceleradas, estendendo o stresse para lá do sol posto, quando chegar a hora descansar poderá sentir sérias dificuldades em abrandar.
Estar nesta constante agitação traz-nos um sono superficial e incompleto, cansando-nos cada vez mais. Por oposição, passarmos o dia no sofá, sem atividade maior terá o mesmo efeito. Experimente seguir o ritmo do sol e aproveite a energia ascendente da manhã para ser mais produtiva.
4. Faça pausas durante o dia, nomeadamente para almoçar. Não precisa de comer muito, mas coma. Se quiser sentir mais energia à tarde, coma às 12h, quando o sol atinge o seu máximo.
5. Implique o corpo de forma deliberada no seu dia. Suba escadas, desça, circule, corra, faça yoga, dance, etc. Ativar o corpo no período da luz alinha-a com o ritmo do dia, que lhe devolve o cuidado à noite, proporcionando-lhe um sono mais fácil e descansado.
6. Coma sentada, em repouso, mastigando cada garfada.
Pôr-do-sol
7. Jante duas a três horas antes de ir para a cama. Quando dormir, o corpo estará livre e disponível para lhe proporcionar um sono reparador. Jantar o mais cedo possível, depois do sol se pôr é um dos segredos para uma bela noite de descanso.
8. Tenha atenção com jantares muito salgados ou muito aguados. De uma forma ou de outra, poderá acordar a meio da noite com vontade de ir à casa de banho, perturbando o sono.
9. Evite beber muito enquanto janta – a menos que esteja numa festa ou numa celebração, claro! Excesso de líquido dilui os sucos gástricos, o que dificulta as digestões, que se estenderão pela noite dentro.
10. Por sistema, e à exceção de dias de festa, jante de forma mais simples. Evite alimentos mais extremos à noite, como café, açúcar, carne, fumados, salgados e ovos.
11. Coma até estar entre 70% a 80% satisfeita e aguarde 10 minutos. Verá que se sentirá nutrida e confortável.
12. Não vá para a cama com fome. Coma de forma mais simples se estiver em cima da hora ou se tiver chegado tarde a casa. Uma sopa de feijão mais densa com cereal e legumes bem cozinhada poderá ser uma boa ideia. Mastigue melhor ainda nesses dias.
À Noite
13. Diminua a amplitude e a exposição à luz artificial. Leds e ecrãs imprimem no sistema nervoso a ideia de que ainda é dia e a disponibilidade química do corpo para adormecer estará menos disponível.
Adormeça na escuridão total com os aparelhos eletrónicos bem longe de si. Deixe o telefone em modo avião, ou melhor ainda, deixe-o na sala com o alarme no volume máximo.
14. Passeios depois do jantar são providenciais para se sintonizar com a noite e com o descanso. Se tiver um jardim perto de si, não deixe de experimentar.
15. Deite-se antes da meia noite. Idealmente até às 23h, hora em que os órgãos do corpo se prontificam para dar início às suas tarefas de reparação noturna.
16. Faça um escalda-pés para se sintonizar. Mergulhe os pés em água quente com sal antes de ir para a cama. Se costuma ter os pés gelados, esta prática é ideal para si.
17. Modere a quantidade de roupa na cama, cobertores, edredons, mantas, pijamas…. Mantenha-se quente, mas não exageradamente.
Quando o corpo cai em sono profundo, dá-se naturalmente um arrefecimento; se estiver demasiado apetrechada, é certo que despertará a meio da noite, interrompendo o descanso.
18. Tenha intenções claras para o que quer fazer no dia seguinte, apazigue-se e relaxe. Se precisar, faça uma série de expirações mais profundas e amplas a partir do centro do abdómen.
O tempo é cíclico e os nossos gestos, também. Dormir profundamente é tão importante como viver apaixonadamente e dificilmente teremos um sem o outro.
Cuide por isso das suas refeições durante o dia e mantenha-se no ritmo. À noite, simplifique, pouse os talheres e vá para a cama. Deixe-se inspirar pelos seus sonhos e acorde revigorada e pronta para a ação.
Paula Azevedo é consultora, professora e chef de Macrobiótica. Para mais informações, contactar através do e-mail p.narciso.azevedo@gmail.com.