Depois de se ler o livro Como Se Transforma Ar em Pão, do cientista Nuno Maulide, não há margens para dúvida: tudo na nossa vida é química e isso inclui a alimentação.
“Os alimentos são aglomerados de compostos químicos e é importante desmistificar a ideia de que uma substância só por ter um nome esquisito é prejudicial”, diz-nos o autor, que é também diretor do Instituto de Química Orgânica da Universidade de Viena.
Um dos exemplos que costuma dar para que as pessoas percebam esta ideia é o da banana: “É um fruto perfeitamente natural, mas, se verificarmos os compostos químicos que contém, enchemos uma página de nomes que assustariam as pessoas devido à má fama da química”.
E foi para combater essa conotação negativa que Nuno Maulide, juntamente com a jornalista de ciência Tamja Traxler, resolveu lançar o livro já citado, primeiro na Áustria, país onde vive e onde foi eleito Cientista do Ano, em 2018, e mais recentemente em Portugal pela editora Planeta.
Tudo depende do uso
Não é preciso muito tempo de conversa para se perceber a paixão do professor pela química. “Foi amor à primeira vista”, conta-nos, enquanto nos diz que “não se pode diabolizar as substâncias químicas, porque tudo depende do uso que lhes damos” e lembra que “há compostos químicos naturais que nos podem matar e sintéticos que nos podem salvar”.
A água, cuja fórmula química até é bem conhecida, H2O, é um caso bem curioso. “Somos 70% de água e precisamos muito dela, mas beber quatro litros numa hora é perigoso. As células absorvem tanta água que começam a inchar, o que pode levar à rutura das paredes celulares; os tecidos começam a ressentir-se e os órgãos (fígado, rins, etc.) começam a ter problemas de funcionamento que podem conduzir à morte”, explica o cientista.
Mas há mais curiosidades químicas associadas à alimentação para conhecer com a ajuda de Nuno Maulide.
Curiosidades sobre a química dos alimentos
A cebola e as lágrimas
A cebola contém duas sustâncias químicas – a isoalhina (aminoácido sulfurado) e a alhinase (enzima) – que juntas formam um gás irritante, que, por sua vez, desencadeia uma reação química em nós, o lacrimejar.
Para evitar este processo, Nuno Maulide recomenda “meter a língua de fora enquanto corta a cebola. Não estranhe é o sabor que ficará na boca. Ou, então, colocar uma toalha húmida no ombro”.
A culpa é das maçãs
Provavelmente, já ouviu o ditado popular ‘maçã podre estraga a companheira’ e a explicação é pura química: “A maçã liberta tanto etileno (um gás) que, assim que começa a amadurecer, provoca o amadurecimento de outras frutas que estejam próximas”, refere o cientista.
Convém explicar que é “o etileno que permite que a clorofila se degrade e, nesse processo, as substâncias de reserva são transformadas em açúcar, ganhando o sabor doce tão característico da fruta madura”.
Escassez alimentar
“Apesar de ninguém querer ouvir falar de pesticidas, herbicidas e dos problemas que colocam, sem o desenvolvimento da agroquímica nunca teríamos alimentado tanta gente”, diz Nuno Maulide.
A síntese de amoníaco a partir do azoto, desvendada por Fritz Haber no início do século XX, é uma das mais importantes descobertas da ciência, pois permitiu fabricar fertilizantes artificiais, o que aumentou a área cultivada.
Estima-se, lembra o cientista, que, se não fosse isto, a população mundial, que ronda os 7,7 milhões, seria três quintos desse número hoje em dia. O próprio título do livro de Nuno Maulide é uma homenagem a este processo.
O valor da água dos tremoços
“O tremoço é uma pequena semente, que ganha consistência quando cozida em água, ficando, no entanto, com um grande amargor. Para que este desapareça, os tremoços são colocados em água e é nesta que aquele fica. Através de uma reação de síntese, extrai-se daí esparteína, uma substância muito útil para a indústria farmacêutica”, sublinha Nuno Maulide.
O cientista criou uma empresa em Portugal, a Spartax, para comercializar essa preciosa substância. “Este é mais um exemplo de que a química tem um papel importante na economia circular. O lixo que se produz, bem analisado, tem coisas valiosas que podem ser extraídas para serem novamente usadas”.
Substâncias realmente nocivas
Quando se fala de substâncias tóxicas na área alimentar, Nuno Maulide aponta três:
• Benzopireno, constituído por átomos de carbono e de hidrogénio. “Forma-se nos grelhados e nos fumados e é uma substância cancerígena, tem muito carbono”, diz o professor.
O cientista refere que se pode minimizar o perigo se se usar um grelhador onde a carne seja pendurada na vertical, de forma a receber menos fumo; aparar as partes carbonizadas dos alimentos ou colocá-los na grelha, envoltos em folha de alumínio, e, começar a grelhar apenas quando só existirem brasas, sem chama.
• Acrilamida, que se forma através de uma reação que ocorre entre a glucose ou frutose e componentes proteicos, acima de 120 °C. Surge na crosta castanha de alimentos cozidos, assados, torrados, grelhados ou fritos.
Para reduzir o consumo desta substância, o professor aconselha “assar no forno e torrar a temperaturas mais baixas” e “estufar ou cozer”, métodos de confeção nos quais há menor produção de acrilamida. Esta foi classificada como possível cancerígena para o Homem pela Organização Mundial da Saúde.
• Nitrito. O nitrato está presente no solo em estado natural e em fertilizantes, mas nos alimentos pode transformar-se em nitrito venenoso.
Teores altos de nitrato são comuns em espinafres, alfaces, acelgas, rúcula e, quando estas verduras são “conservadas quentes durante algum tempo, ou reaquecidas, dá-se a transformação em nitritos.
Estes estão presentes também no sal de cura usado nos enchidos. “Uma ingestão elevada de nitritos e nitratos provoca um deficiente abastecimento de oxigénio, que é mais perigoso para os bebés”, explica o cientista.