Entrevista a Bela Gil, a guru brasileira da alimentação saudável
Bela Gil, a sétima filha de Gilberto Gil, quer mudar o mundo pela boca e promover um regresso às raizes. Mas também quer tornar a nossa vida mais bela. O segredo? Começar a meditar. Mas há mais. Conversámos com a guru da alimentação saudável no Brasil.
Isabela Giordano Gil Moreira, ganhou o gosto por comer bem com o seu pai, o cantor e ex-ministro da cultura, Gilberto Gil. Bela Gil, como é mais conhecida, é formada em Culinária Natural, pelo Natural Gourmet Institute, e em Nutrição e Ciência dos Alimentos, pela Hunter College, ambos em Nova Iorque, onde viveu. Mas, para a chef de cozinha natural, comer não é só pensar no prazer do gosto, no paladar. “Comer é um ato político”, diz, alertando sobre a importância da soberania alimentar para uma população hoje tão influenciada pelas empresas de sementes e as indústrias alimentar e farmacêutica.
A comida de verdade de Bela Gil
Conversámos com a ‘guru natureba’, como a apelidam no Brasil, que se tornou sinónimo de comida “do bem”. O convite partiu da oficina de gastronomia criativa, A Sociedade, cujo objectivo é o de promover a “educação do gosto”. Nem de propósito, Bela quer mudar o mundo pela boca. Mas vai mais além. Cinco temporadas no canal GNT com o programa Bela Cozinha, três livros (um deles, Bela Cozinha, publicado em Portugal), um canal no YouTube, uma coleção de roupas, um restaurante, o projeto social Bela Infância, que pretende diminuir os índices de obesidade infantil…
“Porque compramos leite de vaca do pacote?”, questiona a sua audiência na palestra que deu na A Sociedade. E continua: “A maioria de nós não tem uma vaca no quintal, certo? Hoje, pela praticabilidade, compramos o leite de pacote. Mas ninguém se pergunta porquê. O leite que sai da vaca é uma coisa. O do pacote é outra. Passa por vários processos. Não podemos dizer que o de pacote é mau. Se calhar beber leite todos os dias, várias vezes por dia é que está errado. Não é o leite que é mau ou o açúcar. É a quantidade que é consumida, o modo como o consumimos que pode estar errado. Pode ser difícil para as pessoas abdicarem de velhos hábitos. Mas há que cortar o cordão umbilical com os velhos e maus hábitos”.
Bela Gil revela na entrevista em baixo o que lhe falta fazer e como podemos mudar o mundo através da alimentação.
Entrevista a Bela Gil
Como começou a sua paixão pela cozinha sustentável?
Começou na minha adolescência. Tinha 15 anos quando comecei a fazer ioga e foi assim que a minha alimentação foi mudando. A partir de daí, o meu corpo começou a rejeitar o excesso de açúcar dos produtos industrializados. Foi também na altura em que troquei o arroz branco pelo integral. Depois, com 18 anos, fui estudar para Nova Iorque e comecei a fazer um curso de culinária natural. Já tinha mudado a minha alimentação e foi aí me apaixonei pela cozinha e pela nutrição.
Uma alimentação saudável abre caminho para um estilo de vida mais saudável. Mas no seu caso foi ao contrário…
Sim, foi o meu estilo de vida saudável que mudou a minha alimentação.
No caso de dar conselhos a alguém que não sabe como mudar a sua alimentação, o que diria?
Começar a meditar. Assim conhecemo-nos melhor. O autoconhecimento é o mais importante. Ao se conhecer, quando comer algo, vai sentir se aquele alimento é bom ou não. E, aos poucos, vai mudar para tudo o que é mais fresco, mais natural, mais local, mais próximo da Natureza. Se uma pessoa não faz ideia de como mudar a sua alimentação, então comece a meditar. Tendo esse conhecimento do que lhe faz bem, nenhum modismo vai mudar o que entende como uma alimentação saudável para o seu corpo.
“Se uma pessoa não faz ideia de como mudar a sua alimentação, então comece a meditar.”
A Bela é uma pessoa carismática, muito acessível e próxima das pessoas.
Acredito muito na verdade. Gosto de passar para as pessoas o que realmente tenho em mim. Como eu sou de verdade, como é a minha alimentação e o meu estilo de vida, e como posso beneficiar a sociedade como um todo.
A Bela começou a mudar o mundo pela boca, mas agora vai mais além… O que lhe falta fazer?
O meu objetivo é quanto mais conhecimento e informação puder passar para as pessoas, melhor. Informação e educação são muito importantes, mas não é o suficiente. Para que algumas mudanças sejam feitas precisamos de mudanças nas leis, nas políticas públicas. Além de passar a informação, seria fazer uma mudança efetiva, pleo menos, na política no Brasil.
Essa é a atitude do Jamie Oliver. Considera-se o Jamie Oliver do Brasil?
(Risos) Muita gente fala nisso. Tenho essa vontade de mexer com as políticas públicas. Porque, como disse antes, só ter a informação não chega para não comprar determinado alimento prejudicial. É preciso restringir o acesso, limitar a quantidade, algo que só o governo pode fazer.
É mais fácil comer processado, certo?
É mais fácil, mais barato.
Devíamos trocar o supermercado pelo mercado?
É verdade. Até as pessoas entenderem que até é simples, ainda é um grande caminho. Tradição é muito importante. No caso do Brasil, por exemplo, come-se igual de Norte a Sul. Estão a perder-se determinadas tradições da cultura gastronómica.
Explique o que é a ‘soberania alimentar’ de que tanto fala?
É o acto de você poder produzir a sua comida e poder escolher o que comer. Vivemos numa democracia e é muito importante ter essa opção de escolha. Muitas vezes, no Brasil, muitas pessoas não têm essa opção. É a indústria que impõe o que as pessoas comem. Tanto pelos meios de comunicação, como pelo preço, o que facilita o acesso. Acredito que trabalhar pela democratização da alimentação saudável é levar a soberania alimentar para a população.
A Bela já foi vegetariana. Deixou de ser quando teve a sua filha mais velha, a Flor. Acha que devemos deixar de comer carne para salvar o Planeta?
Não. Precisamos, sim, de reduzir, muito, o seu consumo. Não precisamos de comer carne todos os dias, nem a quantidade que comemos. Temos de variar mais a nossa alimentação. E podemos aproveitar o bicho por inteiro.
O que quer dizer com “temos um paladar escravo do açúcar; a indústria usa isso como uma armadilha e faz produtos gostosos e baratos”?
São gostosos, são baratos, acessíveis, estão em todos os lugares. Acredito muito na importância da culinária, de resgatar o hábito de voltar a cozinhar em casa. Era importante voltar a ensinar culinária nas escolas. Tudo isso leva a um comportamento mais sustentável. O simples facto de saber cozinhar faz com que precise de menos alimentos processados. É menos dependente. Agora, a evolução é dar um passo atrás – o que não é regredir. É olhar para trás, aprender e evoluir.
Os 17 passos de Bela Gil para uma alimentação saudável
1. Manter o pH do sangue alcalino com uma alimentação baseada em plantas, grãos e feijões.
2. Comer devagar e mastigar muito bem os alimentos.
3. Evite beber líquido nas refeições e opte por chás digestivos após as refeições.
4. Quantidade altera a qualidade dos alimentos– a diferença entre o remédio e o veneno está na dose.
5. Coma quando estiver com fome!
6. Troque o supermercado pela feira.
7. Controle a ingestão de sal e água.
8. Autoconhecimento – perceba como se sente após comer certos alimentos.
9. Compre alimentos orgânicos e locais sempre que possível,
10. Restrinja ao máximo produtos industrializados, processados, congelados, e com excesso de aditivos químicos. (açúcar branco, farinha branca, gordura hidrogenada e trans, refrigerantes, margarinas, embutidos, sucos industrializados, enlatados). Procure sempre alimentos frescos, conservas, sopas, sumos caseiros e produtos de origem orgânica sem o uso de agrotóxicos, adubos químicos, antibióticos, hormonas e aditivos sintéticos. Leia o rótulo antes de comprar produtos industrializados.
11. Use cereais (arroz, painço, trigo, milho, aveia, centeio, cevada, quinoa e amaranto) e farinhas integrais. Enriqueça farinhas brancas com cereais e sementes. Varie o consumo de cereais durante a semana.
12. Prefira a fruta ao seu sumo. E evite consumi-las durante a refeição ou como sobremesa, para não atrapalhar a digestão.
13. Não cozinhe os alimentos, principalmente os vegetais, em excesso. Prefira cozinhá-los no vapor e reutilizar a água de coção para não perder suas vitaminas.
14. Evite leite e queijos pasteurizados, dão preferência a leites e derivados crus e/ou orgânicos. Caso não haja uma restrição nutricional do consumo de leite, prefira os seus produtos fermentados como o iogurte, o kefir e a coalhada. E os queijos feitos a partir do leite cru, como queijo de minas curado da Serra da Canastra.
15. Não substitua a manteiga por margarina. Use manteiga com moderação nos pães integrais dentro de uma dieta rica em verduras, frutas e cereais integrais. Nunca frite a manteiga, prefira a gordura do coco e os óleos vegetais.
16. Consuma carnes em geral (peixe, frango, vaca, porco…) e ovos com moderação e evite combiná-los com feijão numa mesma refeição, pois também são fontes de proteína e podem atrapalhar a digestão. Aprenda a utilizar a carne como o tempero do prato e não como item principal do prato.
17. Use com moderação sal marinho, açúcar mascavado, mel e melaço. Evite o sal e açúcar refinado.
Gostou da entrevista com a Bela Gil? Saiba ainda como pode ser mais saudável.