Nos últimos anos, a comunidade científica tem vindo a interessar-se cada vez mais por um órgão do corpo humano que sempre se associou à expulsão daquilo que não é necessário: o intestino. Porquê? Catarina Sousa Guerreiro, investigadora no Laboratório de Nutrição da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa especializada em doenças intestinais, explica que “o seu impacto não é só a nível local, aquilo que lá se passa dentro tem ligação a nível sistémico a muitos outros órgãos, nomeadamente ao cérebro”.
O seu mau funcionamento pode traduzir-se em doença inflamatória intestinal, cuja origem é ainda desconhecida e onde se incluem a doença de Crohn e a colite ulcerosa – a prevalência de ambas estas condições tem vindo a aumentar em Portugal (dados do Serviço Nacional de Saúde) –; ou em síndrome do intestino irritável, que, segundo Catarina Sousa Guerreiro, “deve afetar cerca de dez a 15% da população e sabe-se que é um dos principais motivos para as pessoas irem às consultas de gastrenterologia (cerca de 40%)”.
Intestino irritável: um desassossego permanente
Existem vários fatores – endógenos e exógenos – que podem causar a inflamação do intestino. A componente genética é importante porque algumas pessoas “têm uma microbiota menos saudável ou uma maior hipersensibilidade visceral”.
Depois, há agressores externos que espoletam a síndrome do intestino irritável “após uma infeção microbiológica”. A sintomatologia desta condição médica inclui flatulência, distensão abdominal acompanhada de dor, diarreia e/ou obstipação, o que pode perturbar muito o dia a dia dos indivíduos.
Outro aspeto a ter em conta é a dieta, dado que nem todos os organismos processam os alimentos da mesma forma e uns serão mais bem tolerados do que outros. Também os padrões alimentares do mundo ocidental não facilitam a vida de quem sofre desta perturbação intestinal.
Tentativa e erro
“Durante muito tempo, pensou-se que bastava eliminar a cafeína, o álcool e as especiarias picantes e reduzir a ingestão de fibra e de gordura”, conta a nutricionista.
Entretanto, há sensivelmente uma década, uma equipa de investigadores da Universidade de Monash, na Austrália, descobriu que, na realidade, os nutrientes que mais agudizam a sintomatologia de quem sofre de síndrome do intestino irritável são os hidratos de carbono de cadeia curta fermentáveis. “Não são facilmente absorvidos, mantêm-se no lúmen intestinal a ser alvo de bactérias e a criar carga osmótica, o que pode estar associado a dejeções mais líquidas”, informa Catarina Sousa Guerreiro.
Os principais culpados – os oligossacarídeos (como o trigo e as leguminosas), os dissacarídeos (presentes sobretudo na lactose), os monossacarídeos (frutose das frutas, determinados legumes, edulcorantes, etc.) e os polióis (sorbitol, manitol, xilitol, eritritol, polidextrose e isomalte) fermentáveis – ficaram, desde então, internacionalmente conhecidos pela sigla australiana que os identifica: FODMAP.
“Na minha experiência, os grandes causadores são o trigo (não o glúten, mas as frutanas), o alho, a cebola e a lactose”, revela a nutricionista especializada em doenças gastrointestinais.
O que comer?
Uma característica comum às pessoas com síndrome do intestino irritável é que demoram bastante tempo a procurar ajuda. A maioria dos doentes chegam ao consultório do nutricionista por recomendação do médico gastrenterologista, com anos de sintomatologia.
“Até chegarem ao diagnóstico pode passar muito tempo, quase por um critério de exclusão. Não é uma doença grave, mas afeta muito a qualidade de vida dos indivíduos. Então, primeiro, tentam controlar alguns sintomas através da toma de medicamentos e só mais tarde chegam à nutrição”, nota Catarina Sousa Guerreiro.
Processo moroso que acarreta riscos. Os próprios doentes começam a aperceber-se de que certos alimentos provocam mais desconforto ou dor, acabando, frequentemente, por eliminá-los da sua dieta. “É uma abordagem que, no limite, pode promover défices de fibra e de cálcio, porque retiram as fontes de trigo e muitos legumes e os lacticínios sem os substituírem por alternativas nutricionalmente interessantes. O caminho não passa pela exclusão”, alerta a especialista.
Dieta dos FODMAP: como aplicar?
Mesmo a dieta dos FODMAP, restritiva por natureza, não deve ser feita sem o acompanhamento de um nutricionista. Como é que se aplica esta dieta? De acordo com Catarina Sousa Guerreiro, “ao longo de quatro a seis semanas, limpa-se o intestino dessas substâncias fermentáveis e depois, semana a semana, vamos reinserindo os FODMAP.
Por exemplo, na primeira, reintroduzimos os oligossacarídeos, na segunda os dissacarídeos, na terceira os monossacarídeos… Porque o doente não tem de ser sensível a todos; há quem tenha uma intolerância latente que é dose-dependente”.
O objetivo desta abordagem nutricional é que as pessoas com síndrome do intestino irritável “voltem a comer de tudo, com os alimentos adaptados a si e nas quantidades adaptadas ao seu organismo”. A diferença é que, ao fazerem este regime alimentar, “passam a ter conhecimento dos alimentos potenciadores”. Essa informação é uma ferramenta crucial para promover um maior bem-estar no quotidiano dos doentes
Guia dietético para pessoas com intestino irritável (e outras inflamações)
Veja os alimentos mais bem tolerados por pessoas que sofrem da síndrome de intestino irritável e outros problemas intestinais, indicados por Catarina Sousa Guerreira, nutricionista especializada em doenças intestinais (clique aqui e guarde o guia).
Auxiliares de memória à distância de um clique
Para não se esquecer dos alimentos que deve evitar e preferir, a Universidade de Monash, na Austrália, desenvolveu uma aplicação, com um custo de 6,66€, onde poderá encontrar mais dados acerca da dieta dos FODMAP.
Além desta, já existem outros recursos gratuitos que disponibilizam receitas. Basta pesquisar pela sigla e encontrará várias opções.
Sofre ou conhece alguém que sofra de intestino irritável ou outros problemas intestinais? Vale a pena perceber também a importância da nutrição funcional.