Nutrição

Inverno, estação de má fama: o que fazer, o que comer e como aquecer o corpo e alma

Tem frio? Tem sono? Sente-se nostálgico, ligeiramente deprimido, sem saber o que anda aqui a fazer e para onde vai? Bem-vindo ao inverno! Veja como tirar partido da estação mais desafiante do ano: o que pensar, o que comer e o que fazer.

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Inverno, estação de má fama: o que fazer, o que comer e como aquecer o corpo e alma Inverno, estação de má fama: o que fazer, o que comer e como aquecer o corpo e alma
© Getty Images
Paula Azevedo, cronista
Escrito por
Fev. 04, 2020

Contam-nos os calendários das civilizações mais antigas que o tempo é um fenómeno cíclico. Estas civilizações viviam e celebravam os ciclos e as impermanências da vida vezes e vezes sem conta, num movimento circular de infinitas possibilidades.

Recriavam assim o seu sangue, as colheitas, as tarefas diárias, a sua identidade, e elevavam o espírito da vida ao compasso das manifestações da natureza e das estações que se sucediam umas às outras.

Perdida essa escola, ganhámos outra, mas a verdade é que nos encontramos menos enraizados, menos resistentes e demasiado alheios aos ciclos naturais e ao meio ambiente que nos sustentam e nos comunicam inteligência a cada momento.

A natureza não faz caso dos nossos caprichos, e cumprindo a única constante da vida, a impermanência, as sazonalidades avançam e é chegada a hora de lhes prestamos mais atenção. De cuidarmos de nós, dentro e fora. É tempo de escutarmos o que nos dizem as estações e o convite que nos fazem.

A força invisível do inverno 

Longe da efervescência do verão e do prazer dos banhos salgados, tudo abranda, e nessa doce e nostálgica desaceleração por que passamos no outono, chega a noite mais longa do ano, o solstício, dia em que começamos o fim do ciclo, com o frio, o vento e a chuva, mas com a possibilidade de nos prepararmos para mais um grandioso renascer que a primavera verá surgir.

Aceitar, a natureza guia

O frio que se faz sentir no inverno tem um efeito contrativo no corpo e na mente. Por esta razão, é difícil não sentirmos um desejo crescente e natural em abrandar, em cuidarmos de nós.

Surge também a necessidade de descansar mais e mais cedo, seguindo involuntariamente a luz dos dias que são mais curtos neste período do ano. Não resista a esse apelo, é assim mesmo.

Os orientais sublinham: inverno é tempo de voltar a casa. A atenção deverá seguir para dentro, como fazem as árvores, que parecem mortas, sem folhas, sem flores, sem frutos. Mas o turbilhão passa-se dentro, onde concentram a energia, firmando as suas raízes que aguardam pelo impulso da primavera que verá surgir esse novo e renovado fôlego.

Inteligência, economia e sustentabilidade é comer o que cresce na estação e no local onde moramos
Paula Azevedo Paula Azevedo

É tempo de nos alinharmos com o que de essencial dá sentido às nossas vidas. E chegou a altura de traçar um novo plano, com base no que aprendeu desde a última primavera até aqui. Largue o que está a mais e reúna forças para voltar a crescer.

Cuidar da nossa raiz. Regenerar, preservar o calor interno e fortalecer a vitalidade

 1. Cultive a auto-reflexão

Pense e responda:

Quais as actividades, hábitos e rotinas que mais o têm desgastado ultimamente?

Que alimentos tem consumido e lhe causam mau estar, cansaço ou que antecedem algum sintoma físico/mental/emocional desagradável?

O que sente vontade de criar, de renovar e de descartar?

Separe o trigo do joio, foque-se no essencial, dedique-se a essa exploração e abandone tudo o que é secundário e que lhe provoque um gasto de energia desnecessário: alimentos, atividades e hábitos e pensamentos.

O que comer?

2. Evite alimentos que criem acidez no corpo

E coma alimentos verdadeiros que proporcionem digestões fáceis e que façam o intestino funcionar em ordem.

O que são alimentos verdadeiros? Falarei sobre este tópico nas próximas crónicas, mas basicamente é tudo o que vem da terra e do mar de uma forma sustentável, o mais natural possível.

A quantidade, a qualidade e a proximidade dos alimentos são factores importantes, como veremos mais adiante.

Dê preferência a pratos com cereais integrais, leguminosas e derivados, vegetais, algas e fermentados de boa qualidade.

Evite, modere ou retire – a escolha é sua, e as consequências, também – produtos fortemente industrializados e com químicos, açúcar, solanáceas, frutos de origem tropical e produtos de origem animal, especialmente carne e lacticínios.

3. Eleja os alimentos da estação. Eleja alimentos locais

Inteligência, economia e sustentabilidade é comer o que cresce na estação e no local onde moramos.

Os alimentos com maior quantidade de água, isto é, aqueles que dificilmente se transportam e que perecem ao final de uns dias, são os alimentos da estação e são esses que devemos comer.

Mínimo esforço e máxima eficácia, um dos princípios da macrobiótica; o alimento que cresce no ambiente em que vivemos tem as qualidades que mais precisamos para atravessar a estação sem problemas maiores.

Raízes, hortaliças, vegetais, coma de tudo. Já alguma vez comprou e preparou um molho de nabiças ou de grelos bem frescos e viçosos? No norte de Portugal, sabem-no bem e são os maiores a preparar estes alimentos, tão ricos, quanto esquecidos nos gostos das novas urbanidades. Se for biológico e proveniente de produções de pequena escala, melhor ainda.

4. Leguminosas

Dedique-se a reintegrar nas suas escolhas esta fonte vegetal de proteína tão tradicional. Ótimas em estufados e sopas quentes e ricas; as sopas tradicionais algarvias ensinam-nos isso de forma exemplar.

Sabia que se acompanhadas de cereal integral, perfazem os nove aminoácidos essenciais, é isso e o famoso arroz com feijão, tão brasileiro quanto inteligente; dê uma nova vida às leguminosas, subestimadas a favor das proteínas de origem animal há já demasiado tempo.

Para além dos feijões, grão e as lentilhas que já conhece, junte-lhes o feijão azuki e o feijão de soja preto. São indicados (com pequenas variações relacionadas com a condição dos nossos intestinos) ao fortalecimento dos rins e os órgãos reprodutores, os órgãos mais ativos nesta estação.

Os feijões devem ser sempre demolhados e idealmente cozinhados na panela de pressão com uma tira de alga kombu, prática que os torna mais digestos.

O sal, em quantidades moderadas, tem a capacidade de tornar os alimentos mais nutritivos e substanciais
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5. Cozinhe os alimentos através do fogo, reproduzindo a força do sol dentro de si

Utilize métodos culinários longos que produzam calor interno. Cozinhe com menos água e por mais tempo.

É uma boa altura para começar a usar a panela de pressão que a sua avó lhe ofereceu, fazer assados no forno, estufados longos de legumes e feijões, salteados de cenoura ou de outras raízes com óleo de boa qualidade ou azeite, tempuras em caldos salgados de miso e molho de soja.

Quantidade moderada de sementes e oleaginosas são também indicadas, pelo teor de gordura que nos fornecem, toste-as ligeiramente antes de consumi-las.

6. Evite alimentos crus e reduza a quantidade de bebidas

Especialmente bebidas frias, pois arrefecem o corpo e fazem-nos perder calor.

Aquela cerveja? Guarde para o verão e prefira um copo de vinho tinto, da melhor qualidade, naturalmente. Frutas cozinhadas podem ser uma bela aposta, as maçãs ou pêras que comprou a mais, cozinhe-as com apenas com uma pitada de sal e pouquíssima quantidade de água, acabará com um creme que se assemelha a uma sobremesa inesperada, deliciosa, que o ajuda a digerir a fruta sem perder calor interno.

Castanhas frescas ou piladas são uma rica opção, doces ou salgadas, dão para lanches, sobremesas e acompanham um arroz integral e uma diversidade infinita de assados: dê uma olhadela nas receitas da cozinha tradicional portuguesa.

7. O sabor salgado

Sobre a alimentação, mais haveria a dizer, mas acabemos com o sabor do inverno, que segundo a medicina tradicional chinesa, é o sabor salgado.

O sal, em quantidades moderadas, tem a capacidade de tornar os alimentos mais nutritivos e substanciais, centra e cria foco mental.

Substitua, por isso, e de uma vez por todas, o sal refinado por sal marinho. De produção tradicional ou artesanal, o sal marinho é completo, rico e alcalinizante, com mais de 80 oligoelementos e minerais (iodo, magnésio, cálcio, enxofre, sódio, carbono, zinco, fósforo, ferro, lítio, manganês, potássio, selénio…).

Em Portugal temos muito por onde escolher, aproveite e fomente a continuação dessa rica produção com a sua compra.

8. Algas na mesa

Ainda sobre o sabor salgado, introduza algas nas suas refeições. Ricas em minerais e vitaminas, as algas ajudam os rins a regular a fonte mineral do corpo, fortalecem ossos, dentes e sistema nervoso, é uma boa altura para o fazer.

Se os pontos anteriores lhe parecerem demasiado complicados, faça o que pode, com o que sabe e com o que tem, exercitando sempre uma boa mastigação a cada garfada e considere inscrever-se em aulas de cozinha.

Para pôr em prática

10. Aqueça os pés

Volto com a recomendação do escalda-pés, a ser feito antes de dormir.

Submerja os pés, até aos tornozelos, em água quente com sal; quando a água arrefecer, enxugue os pés e vá para a cama. Esta prática, funciona como uma terapia suave mas profunda para os rins, que adquirem a capacidade de recuperar, gradualmente, à medida que a vai repetindo dia após dia.

Faça todos os dias até começar a sentir a sua vitalidade em forma.

11. Mexa-se

Não deixe de lado aquela prática física que tanto a animava nas estações mais amenas. O inverno propõe-nos preservar o que temos e regenerar, pelo que olear o nosso esqueleto e articulações deve ser uma prioridade. Se não se mexer, o caso complica-se.

Os orientais dizem que somos tão velhos quanto a força das nossas pernas. Caminhe distâncias maiores, use as pernas e fortaleça-as. Evite ficar longos períodos de tempo em pé, estaticamente.

Lembre-se que umas pernas fortes e um bom contacto com o chão, usando os quatro pontos das plantas dos pés e aliviando as articulações dos joelhos, colocam a sua zona pélvica no lugar, retirando tensão à zona lombar (que por esta altura pode sofrer um pouco mais).

Uma coluna articulada, oxigenada, irrigada, movida por uma biomecânica correta, dá-lhe vitalidade, verticalidade e a estabilização que precisa para chegar à primavera no ponto. Yoga, pilates, tai-chi, chi-kung, tango argentino, é só escolher.

Aproveite a revolução interna que o inverno lhe propõe e dedique-se ao essencial, descobrindo o que isso é
Paula Azevedo Paula Azevedo

12. Evite andar descalça

Pois arrefece os rins e os órgãos reprodutores – especialmente no caso das mulheres -, que devem, por esta altura do ano, ser resguardados.

Para os orientais a energia primordial está nos rins, pelo que, se sentir particularmente vulnerável ao frio, pode usar um haramaki (japonês) para proteger essa zona ou, à falta dele, enrolar um cachecol ou uma pashemine de lã, que provocam o mesmo efeito.

13. Dê especial atenção às noites

Vá para a cama cedo, antes de desmaiar de cansaço no sofá. O fim do dia, no inverno, é a hora de ouro: representa, como a estação em si mesma, o fim do ciclo do dia.

Ir para a cama entre as 22h30 e as 23h tem um efeito regenerador no corpo. Se não consegue, experimente comer menos à noite, jantar mais cedo e desligar as luzes e ecrãs para se sintonizar com a força da noite, que o chama naturalmente para o descanso.

Se ainda assim se sentir ativa e sem sono, experimente pequenos gestos que a façam sentir que o dia acabou. Como? Preparando o dia seguinte: escolha a roupa que vai vestir, trace o plano de ação para o dia seguinte, arrume e organize a carteira e a mala, junte os documentos ou material de que irá precisar, pré-prepare tudo para pequeno-almoço e, depois, faça um escalda-pés.

Pode tomar uma chávena, bem pequena, de um chá quentinho (não exagere na quantidade, para não acordar a meio da noite com uma vontade incontrolável de ir à casa de banho), pegue num livro inspirador e vá para a cama.

Aproveite a revolução interna que o inverno lhe propõe e dedique-se ao essencial, descobrindo o que isso é. Regenere e fortaleça as suas raízes, porque a primavera, que já vai dando alguns sinais, não tarda e queremos estar prontas para ela em todo o nosso esplendor!

Paula Azevedo é consultora, professora e chef de Macrobiótica. Para mais informações, contactar através do e-mail p.narciso.azevedo@gmail.com.

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