Foi com a ajuda e determinação da mãe e de uma T-shirt dos Sonic Youth que Joana Barrios teve acesso à porta que a levou ao Teatro Praga. Na altura, em 2008, andava entre Portugal e Espanha, mais concretamente, Barcelona, cidade onde frequentava o mestrado em Crítica de Cinema e Música Pop.
Começa, quase em simultâneo, outro projeto. Joana Barrios deu-lhe o nome Trashédia, o seu antigo blogue onde falava sobre moda e outros temas. Passaram quase dez anos. Hoje – e graças a este acaso que cruzou a sua vida com a das figuras do teatro que tanto admira, é atriz e figurinista nesta companhia.
Em 2015, Joana Barrios foi mãe de uma menina, Mercedes. Dois anos depois, a família voltou a crescer, desta vez com um menino.
Atualmente, os canais que partilham a visão de Joana Barrios expandiram-se. Ao teatro, juntou-se uma outra forma de comunicar. Chama-se Nhom Nhom e nasce da fusão entre o amor pelos filhos e pela comida.
Neste livro de 174 páginas, editado pela Bertrand Editora, disponibiliza dezenas de receitas que resultam em pratos compostos por “comida para crianças que todos os adultos vão querer comer”. Todas as fotografias, sem recurso a estúdios ou food stylists, foram captadas em casa pelo marido Carlos Pinto. É também ele o autor das imagens que aparecem neste artigo.
A Saber Viver esteve com Joana Barrios no dia do lançamento do seu livro. Conversámos sobre a sua carreira, os seus projetos, a forma como vê a maternidade, a relação com a cozinha e ainda sobre o dia em que se cruzou com Helena Christensen e a Christy Turlington.
Entrevista a Joana Barrios
É atriz e tem um blogue há dez anos. O que é que a levou a querer publicar um livro de receitas?
Todas as pessoas fazem imensas coisas na vida. O blogue foi uma forma de partilhar e de praticar aquilo em que acredito. Acho que se temos uma exposição pública devemos tornar aquilo que sabemos acessível aos outros. É o que acontece com o Teatro Praga… disponibilizamos informação, uma visão.
Com este livro foi a mesma coisa. Eu percebi que havia muita gente e amigos que se questionavam imensas vezes sobre o que fazer para o jantar para os miúdos. Isso para mim é super simples, por isso quis partilhar.
Como é que chegou a este conjunto de receitas?
A forma de introduzir os alimentos recomendada é começar a fazer umas sopas de carne ou de peixe. Mas, tal como nós, os miúdos rapidamente têm interesse em comer outro tipo de coisas. Percebi que passar para pratos mais elaborados era difícil. Continuamos a ter a tentação de fazer tudo cozido e mole porque é seguro e achamos que assim os miúdos não vão rejeitar a comida.
O problema é que eles rejeitam: começam a não gostar e a cuspir porque já não gostam do que lhes estamos a dar. Hoje, a minha filha não cospe a comida e gosta imenso de comer. Com dois anos e meio, pede-me para fazer bacalhau. E isso deve-se um bocado ao facto de eu ter investido muito tempo nesta coisa de saber como é que poderia cozinhar para ela. Eu cozinho para ela coisas no forno, coisas de frigideira, coisas de tacho, até saladas frias.
Depois de cozinhar, provo sempre e penso: ‘Será que eu comia isto?’. É o que a maior parte dos pais não faz – nunca provam. Os miúdos sentem o sabor da comida. Na verdade, sempre que põem alguma coisa na boca sentem uma explosão de sabores. É quando são pequeninos que eles começam a descobrir do que é que gostam e do que é que não gostam. E acho que é fixe para os pais irem percebendo isso.
Refere no livro que não conseguiu dar de mamar. Há muita pressão relativamente à questão da amamentação?
Eu tentei muito. Mas tive três mastites e, a dada altura, aquilo era só uma rotina de dor. Claro que é um laço de amor, mas a mim trazia-me sofrimento, porque só de pensar que ia dar de mamar à minha filha e que ia ficar cheia de dores… Sangrei várias vezes do peito. Senti uma grande pressão e pressionava-me a mim própria para conseguir amamentar. Eu queria muito ter imenso sucesso naquela tarefa. É quase como se fôssemos melhores mães por podermos amamentar.
Consideramo-nos melhores em determinadas coisas se conseguirmos fazer tudo by the book. E eu queria viver este sonho muito bonito. Fez-me muita confusão, mas não aconteceu. Houve duas pessoas que me ajudaram imenso a tomar uma decisão: o meu marido, que olhou para mim um dia e disse: “Não te quero ver a sofrer mais. Eu sei que tu queres muito e que é muito bom para ti e para a tua filha, mas se for para te ver a chorar cada vez que a miúda tem de comer não vale a pena”.
E, depois, a minha avó, que, quando veio visitar-me e conhecer a Mercedes, olhou para mim numa altura em que ia dar de mamar. Viu-me com uma cara de sofrimento horrível. Disse-me que hoje em dia já ninguém tinha de passar por aquilo. Dois ou três dias depois fiquei com uma febre muito alta, fui ao hospital e estava com uma mastite – a terceira.
A médica perguntou-me com um ar um bocado instigador: ‘Mas quer deixar de dar de mamar?’. E eu disse: ‘Sim, quero’. Depois, a pediatra disse-me que se não conseguia dar de mamar e se era tão doloroso, então que devíamos apostar na fórmula. E assim foi.
E agora com o Alvarinho?
Com o Alvarinho tive um trabalho de parto normal, um parto natural, portanto o corpo recebeu a informação muito melhor. Com a Mercedes tive de fazer uma cesariana de urgência. O processo de subida de leite foi muito mais doloroso. Fiquei logo com o peito encaroçado e, logo ao terceiro dia de vida dela, já tinha uma enfermeira a tentar ajudar-me, mas aquilo já ia para mau porto.
Com o Alvarinho foi incrível. Nunca tive nenhum problema. Nunca doeu nada. É a coisa mais genial! Podemos ir para qualquer lado, fazer tudo e o filho mama bem, come bem. Houve uma altura em que ainda pensámos que ele não comia bem, porque chorava – nas maminhas não temos um doseador, portanto nunca sabemos a quantidade de leite que ele está a ingerir. E o Carlos, o meu marido, sugeriu que eu fosse à pediatra ver se o bebé estava a crescer bem. Quando fomos à consulta, estava tudo ótimo: ele tinha engordado imenso e estava super grande.
O valor que dá à comida deve-se muito ao facto de ter crescido no Alentejo, a trabalhar no ramo da restauração com os seus pais. Consegue recordar-se de algum episódio mais engraçado?
O meu pai é uma pessoa bizarra que nunca reconhece ninguém. Um dia pararam umas raparigas lindas de morrer no restaurante e quiseram almoçar na esplanada. Comeram umas coisas muito light. Umas saladinhas e umas folhas de alface – num restaurante de comida alentejana. E elas eram imensas. E eram lindas! Às tantas, quiseram um doce e o meu pai levou-as à mesa das sobremesas do restaurante – uma mesa oval com um cesto de fruta muito bonito. Toda a doçaria conventual alentejana estava ali.
O meu pai disse que lhes fazia uma coisa fantástica, que era levar-lhes um bocadinho de cada doce, a pensar que elas não iam querer comer muito. Mas não foi isso que aconteceu. De repente, elas devoraram os doces, assim à louca. Comeram calorias que nunca mais devem ter comido na vida. Só quando eu fui à rua é que vi quem é que elas eram: eram só a Helena Christensen e a Christy Turlington. Claro que o meu pai não fazia ideia. Quando vives num sítio de atendimento ao público há muitas histórias.
Podemos olhar para o seu livro como um livro com receitas de ‘comida normal’. Nestas tendências da alimentação saudável, há alguma que a irrite especialmente?
Aquela dos hidratos de carbono a partir das 17h. Há uma qualquer entidade superior que nos diz que agora temos de nos privar de comer qualquer coisa. Não sei… é estranho. Mas a que mais me irrita é mesmo aquela da dieta paleo. Não consigo mesmo compreender esta moda da dieta paleo.
Nessa dieta reproduz-se a alimentação que se tinha na altura do paleolítico. No fundo, comer carne, peixe, fruta e vegetais… Mas a minha pergunta é: “As pessoas andam realmente de lanças, a caçar mamutes?”. Irrita-me profundamente essa moda do paleo. É a pior de todas.
Se tivesse de recomendar apenas uma receita do seu livro, boa para adultos e crianças, qual é que seria?
O bacalhau com espinafres.
Tem alguma história?
Claro que sim. O Carlos dizia-me sempre: ‘A minha mãe faz um bacalhau com espinafres que é incrível’. E um dia eu provei-o. Quando saímos de casa da mãe dele, ele perguntou-me: ‘É muita bom, não é?”. Passado uns dias voltou a falar-me do mesmo bacalhau. E eu a pensar: ‘Como é que ela faz o raio do bacalhau?’.
Conclusão: vi mil e uma receitas, entrei em modo laboratório e tentei fazer o prato. Até ficou porreiro. Fui aperfeiçoando, melhorando a receita, até que cheguei à fórmula que está no livro e que serve para adultos e para crianças. Durante algum tempo, quando a Mercedes ainda não podia beber leite de vaca, até fazia com o de fórmula.
Como é a sua rotina de beleza desde que foi mãe?
Como tenho pele muito atópica, com tendência acneica e alergia ao sol, tenho rotinas muito específicas desde o início da adolescência. Lavo o rosto apenas com água, aplico sempre protetor solar depois de um bom hidratante e de um sérum. À noite, uso uma loção micropeeling, faço laser cerca de quatro vezes por ano e só uso maquilhagem quando é mesmo necessário. Obrigo-me a beber muita água e a dormir, pelo menos, oito horas.
Se pudesse escolher uma personagem de um filme, qual é que gostaria de ser?
Liza Minelli, do Cabaret. Super simples!