Mitos e verdades sobre alimentação que tem de saber
Desinformação e noticias falsas são uma constante na área da nutrição, tal como acontece noutros campos do saber. Conceição Calhau, professora de Bioquímica Nutricional, desvenda-nos alguns dos mitos alimentares.
Nunca houve tanta informação a circular sobre alimentação, mas nem tudo o que se lê por aí é verdade. “Perdeu-se completamente o controlo de quem fala e escreve sobre alimentação e nutrição”, alerta Conceição Calhau, professora de Bioquímica Nutricional do curso de Medicina, na Nova Medical School.
Foi esse descontrolo que a levou a escrever o livro Deixemo-nos de Tretas – A Ilusão da Comida Saudável (Contraponto), um livro que, segundo a própria, deveria ser de leitura obrigatória nas escolas e explica porquê: “Na realidade, são os mais jovens que estão mais expostos ao TikTok e copiam aquilo que as tiktokers e as influencers recomendam também do ponto de vista alimentar”. “Dever-se-ia ter mais cuidado quando se aborda o tema; afinal, quando se fala de alimentação, fala-se de saúde”, sublinha Conceição Calhau durante a conversa connosco.
A autora termina o livro com três conselhos que não quer deixar de transmitir às nossas leitoras: “Citando Michael Pollan, jornalista norte-americano que tem vários livros sobre alimentação, não coma nada que a sua avó não reconheça como alimento e, parafraseando, Paracelso [médico que revolucionou a medicina no século XVI], o que faz o veneno é a dose. A estas acrescento que os melhores alimentos são os que não têm rótulos”.
Microbiota, a base de tudo
A microbiotia é composta por um conjunto de microrganismos que desempenham um papel muito importante no nosso organismo. “Já dizia Hipócrates que as doenças começam no intestino e é verdade. Qualquer alteração desses microrganismos compromete o nosso sistema imunitário e o processo digestivo. Como cada pessoa tem a sua própria microbiota, a absorção dos nutrientes dá-se de forma distinta. Quando alguém diz que come o mesmo que outra pessoa, mas que engorda e a outra não, isso também está associado à microbiota”, explica Conceição Calhau.
É como se cada um de nós tivesse “um processador de alimentos individual, mas que muda de acordo com diversos fatores, como a alimentação pouco diversificada, o stresse, o não respeitar o ciclo circadiano e com a medicação”, assegura a professora.
Mitos e verdades sobre a alimentação
Dietas milagrosas
“Só o facto de me falarem em dieta, já me causa alguma desconfiança, quanto mais milagrosas. Quando há muita preocupação com dietas, à partida, pode significar que há uma má relação com a alimentação”, começa por frisar a especialista em Nutrição.
O que temos que ter em atenção, continua, é que, se “há necessidade de fazer uma correção dos erros alimentares, estes terão de ser identificados. Portanto, estamos sempre a falar em intervenções individualizadas”, explica Conceição Calhau. A professora de Bioquímica Nutricional diz-nos que uma das perguntas que mais lhe repetem é qual é a dieta ideal após os 50 anos e é perentória na resposta: “Não existe! As pessoas não têm todas as mesmas necessidades alimentares. Depende se são saudáveis, se têm diabetes, colesterol, hipertensão, se têm ou não um estilo de vida ativo”.
Para Conceição Calhau, um dos primeiros erros alimentares é a falta de consistência. “Há quem faça hoje a dieta X, daqui a um ano a dieta Y e andam em oscilações alimentares. Enquanto espécie, temos mecanismos de sobrevivência, e, portanto, todos estes comportamentos erráticos fazem com que o metabolismo se vá adaptando de forma a não pôr em risco a vida. Isto pode levá-lo a ficar mais lento, porque hoje há comida, mas amanhã não há. Estas oscilações muitas vezes também se traduzem fisiologicamente na perda de massa muscular e este é um dos grandes problemas e não propriamente a gordura, que é onde as pessoas se focam”, explica. “É muito importante preservar a massa muscular e isso depende de uma vida ativa e de uma alimentação equilibrada”. Além disso, a restrição altera a microbiota e o processo digestivo.
Alimentos a evitar
“Os alimentos ultraprocessados, que normalmente têm mais açúcar, sal ou gordura saturada, são os que devemos evitar. Mas mais importante do que dizer quais os alimentos que não devemos comer é dizer o que podemos comer em vez da empada, do folhado, do panado, do douradinho, do rissol”, refere Conceição Calhau, que dá o exemplo de um arroz de peixe com feijão e hortícolas, que tem os elementos todos de que precisamos.
Alimentação saudável
“Está comprovado cientificamente que a dieta mediterrânica é a que está mais de acordo com as nossas necessidades, no entanto, temos de ter em conta as especificidades de cada indivíduo em determinado momento e a sua microbiota”, afirma Conceição Calhau. Os grandes benefícios da dieta mediterrânica são a diversidade e a proporcionalidade dos diferentes grupos alimentares. É uma alimentação rica em hortícolas, fruta e inclui proteínas de origem animal (com a vantagem de se comer muito peixe) e de vegetal (como as leguminosas). “Nós é que complicamos a alimentação; comer bem não é difícil”, realça.
Numa alimentação equilibrada, diz a especialista em Nutrição, “o nosso prato deve ter maioritariamente mais vegetais e leguminosas (são ricas em fibras) e menos proteína animal e hidratos de carbono, e estes devem ser de baixo índice glicémico. A sobremesa deve ser fruta”.
Cozidos e grelhados não são a melhor opção
“A melhor forma de confeção é a chamada comida de tacho, porque conserva melhor os nutrientes”, sublinha a professora de Bioquímica Nutricional. “Quando estamos a cozer, estamos a lavar; se grelharmos, estamos a secar. Em ambos os casos há perda de nutrientes”, realça. Se pensarmos no peixe, alerta a especialista, perdemos uma parte da gordura ómega-3 que tanta falta nos faz para o combate à inflamação. “Uma caldeirada, um ensopado, uma massada ou feijoada de peixe são boas opções”, ensina.
Não ter tempo para cozinhar
A correria do dia a dia deixa pouco tempo para a cozinha, mas Conceição Calhau não tem dúvidas de que “as pessoas também se agarram muito à bengala do ‘não tenho tempo’”. Tem tudo que ver com o que temos no frigorífico. “Se formos ao supermercado às oito da noite, vemos que as pessoas com fome compram lasanha, piza, refrigerantes… Ninguém percebe que pode comprar uns espinafres para saltear, uma posta de peixe para fazer no micro-ondas com molho de tomate e azeite, umas leguminosas já prontas que só temos de lavar. Não demora mais do que 15 minutos e é saudável”, sugere.
Proteínas vegetais para o pequeno-almoço
“Geralmente os nossos pequenos-almoços são muito ricos em hidratos de carbono e concentramos a proteína só ao almoço e ao jantar. Se pensarmos em algo tão básico como o pão com queijo, uma bola terá 80g e uma fatia de queijo 7g, portanto há um desequilíbrio”, refere a especialista em Nutrição. Conceição Calhau sugere introduzir na primeira refeição do dia ovos, leguminosas, hortícolas, que podem associar-se ao iogurte, à fruta e aos frutos secos.
Contar calorias não interessa
“A verdade é que o exercício físico e a vida ativa, a distribuição das refeições ao longo dia, ou seja, a hora a que comemos, e, por último, a qualidade do que comemos é mais importante do que o seu valor energético”, explica Conceição Calhau. Um aspeto muito importante é, continua, “o índice glicémico de cada refeição, pois não queremos picos nem resistência à insulina, que está associada a várias doenças”. Mas isso não significa “retirar os hidratos, pois são a nossa principal fonte de energia, temos é de os saber escolher”.
Superalimentos, existem ou não?
Conceição Calhau lembra que o conceito de superalimento surgiu de forma bem-intencionada na década de 1990 e indicava as principais fontes nutricionais dos alimentos. “Por exemplo, um alimento rico em zinco ou em cálcio era considerado um superalimento nesse nutriente. Hoje, essa ideia está um pouco corrompida e as pessoas acham que se comerem dez porções de determinado superalimento é benéfico, não se importando que o resto que comem esteja esvaziado de interesse nutricional”.
Mais verdades sobre a alimentação que pode não conhecer
• É no intestino que é emitido o sinal de saciedade para o cérebro e são as bactérias que o emitem.
• O nosso corpo não precisa de sumos, batidos ou sopas detox para eliminar toxinas. Esses alimentos têm na realidade um índice glicémico elevado.
• As pessoas não se sentem saciadas, porque não se hidratam, não comem fibra, não comem a sopa de entrada. Comer arroz e carne não sacia, temos de juntar vegetais e leguminosas.
• O jejum intermitente é o jejum noturno de 10-12 horas. Tudo o resto é invenção e contribui para a perda da massa muscular. O problema é que se janta tarde e muito, e com isso só estamos a contribuir para o tecido adiposo e para o colesterol