Nutrição

Ortorexia: quando ingerir alimentos saudáveis se torna uma obsessão

Para ter uma alimentação saudável é preciso fazer as pazes com a comida. A nutricionista Lillian Barros analisa, neste texto, o impacto do perfecionismo na alimentação. Descubra tudo sobre a ortorexia.

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Ortorexia: quando ingerir alimentos saudáveis se torna uma obsessão Ortorexia: quando ingerir alimentos saudáveis se torna uma obsessão
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Escrito por
Mai. 30, 2022

Ao longo de todos estes anos como nutricionista, tenho assistido a uma crescente alteração da consciência alimentar, da valorização de hábitos saudáveis de estilo de vida e inevitavelmente da tentativa (por vezes excessiva) do controlo da qualidade e da quantidade daquilo que se come diariamente.

Vejo em certa medida que a forma como vivemos a alimentação está a mudar, esquecendo-nos do seu papel emocional, social, familiar e por vezes até mesmo “excecional”.

Na saúde, como na alimentação, há espaço para um pouco de tudo, em medidas diferentes na equação. O extremismo ou o “excesso de saudável” (se é que faz sentido juntar estas duas palavras) pode tornar-nos infelizes, doentes, presos.

Talvez por pressões sociais, pela estética, na procura das formas corporais idealizadas, por um número na balança, pela imagem ao espelho, pela contagem matemática de calorias. Ou será que ser saudável virou uma moda, em vez de valer pelo seu equilíbrio e pela saúde física e mental que nos pode verdadeiramente proporcionar?

Não é só com os legumes integrais e as sopas que temos de estar em paz. Também temos de fazer as pazes com as exceções alimentares
Lilian Barros, nutricionista Lilian Barros, nutricionista

Quando o perfeito é inimigo do saudável

Esta obsessão por ingerir apenas alimentos considerados “bons” e saudáveis denomina-se ortorexia.

A ortorexia não se prende apenas com a preocupação com a saúde, existem outras razões subjacentes, como uma compulsão para assumir o controlo e atingir a perfeição e a melhoria da autoestima.

Sinais de alerta

  • Passar grande parte do tempo a pensar na alimentação e a planear ou a preparar as refeições;
  • Deixar as outras dimensões da vida para segundo plano, interferindo com o trabalho e com as relações pessoais. Existe uma maior tendência para deixar os convívios sociais de parte, devido à ansiedade de não se conseguir controlar o que se comerá;
  • Adotar regras cada vez mais restritas, excluindo alimentos categorizados como “maus”, “contaminados” ou “impuros”, tais como o açúcar, as gorduras, aditivos, glúten e lactose, bem como culpar-se e castigar-se se cair na tentação de os ingerir.

Não chegando à doença efetiva da ortorexia, há todo um grupo de pessoas que vivem profundamente tristes com a sua alimentação porque não equacionam a possibilidade do bom dos dois mundos em equilíbrio, respeitando o ser social e emocional que somos.

Se por um lado estão tristes porque estão em “dieta” (muitas vezes autoimposta) e “não podem” comer o que querem, por outro, quando se permitem comer algo fora do estritamente estipulado sentem-se culpadas.

Quem já não entrou no ciclo da culpa quando há um jantar fora, com a luta de pensamentos entre o “eu mereço”, “sabe-me bem”, “também quero ser normal”, e o “estou a ser fraca”, “não devia”, “estraguei tudo”, “deitei tudo a perder” iniciando-se a construção de todo um processo de desmotivação.

''Quando iniciar um programa alimentar, não se esqueça que é importante uma correta educação alimentar com um verdadeiro equilíbrio que respeita o nutricional''

Esta tentativa de extremismo pode na realidade conduzir, em última instância, a transtornos do comportamento alimentar, conduzindo a excesso de peso, compulsão e/ou carências micronutricionais.

Afinal, não é só com os legumes integrais e as sopas que temos de estar em paz. Também temos de fazer as pazes com as exceções alimentares, com os dias pontuais de festa, com a sobremesa ou com os bolos da festa de aniversário, encarando-os com equilíbrio, respeitando as quantidades, mantendo a consciência alimentar e bons hábitos alimentares nos restantes dias.

Comer é mais do que contar calorias e nutrir o organismo. Para além desta parte biológica, e há toda uma relação com a comida, ela é partilha, prazer, convívio, recompensa, aconchego, felicidade, sabor, social… E parece que estamos a tentar tirar toda esta importância à comida, quando na verdade ela é tudo isso.

Quando iniciar um programa alimentar, não se esqueça que é importante uma correta educação alimentar com um verdadeiro equilíbrio que respeita o nutricional, mas também todas as vertentes da alimentação e tudo o que ela significa nas nossas vidas – nutrição comportamental.

Assista à 2ª temporada do podcast Lógica da Batata, moderado pela nutricionista Lillian Barros, sobre alimentação, saúde e bem-estar, com convidados de várias especialidades.

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