Poupar em tempos de crise? Saiba por onde começar
‘Para onde vai o meu dinheiro?’ é a pergunta a que tem de responder para conseguir poupar e aumentar o seu rendimento líquido mensal.
A pandemia da Covid-19, um problema de saúde pública, transformou-se também numa ‘pandemia económica’.
Com o mundo virado de pernas para o ar, com o desemprego a aumentar (no final de maio, o número de desempregados atingiu os 40.8934, mais 10.3763 pessoas do que no período homólogo de 2019) e o número de trabalhadores em lay-off, segundo dados da Segurança Social, a ultrapassar os 1,3 milhões, é normal que o orçamento das famílias tenha diminuído.
Por este motivo, é importante olhar para as suas despesas e ver onde anda a gastar o seu dinheiro. Estivemos à conversa com Rui Bairrada, CEO do Doutor Finanças, empresa de literacia financeira, para perceber como pode fazê-lo.
Poupar em tempos de crise
“Há poupanças que só dependem de nós. Podemos poupar, cortando apenas naquelas coisas que não fazem sentido ou que não usamos. Mas, se olharmos também para os créditos que temos, seguros e outras despesas, podemos dar uma lufada de ar fresco à nossa carteira. E tudo começa com a pergunta ‘para onde vai o nosso dinheiro?’, pois, se não soubermos onde o gastamos, não conseguimos poupar”, explica Rui Bairrada.
“Em Portugal, o dinheiro tem um peso negativo, mas deve ser visto como algo fipositivo, afinal, é uma recompensa por algo que fizemos e deve ser tratado de forma mais racional e consciente e menos emocional. Até costumo dizer que o dinheiro é como as crianças, devemos saber sempre onde está e ‘alimentá-lo’ para que cresça”, realça o nosso entrevistado.
Dê mais valor ao dinheiro e “deixe de dizer ‘são só 20€’, porque ao fim de 12 meses, esses 20€ transformam-se em 240€, que dariam para aquele fim de semana romântico que queria fazer”, realça Rui Bairrada.
1. Para onde vai o meu dinheiro?
A resposta a esta pergunta básica é o primeiro passo para perceber onde está a gastar dinheiro.
“Costumo dizer que os portugueses fazem a sua gestão de dinheiro pelo talão do multibanco, ou seja, quando vão levantar dinheiro, costumam questionar-se ‘para onde foi o dinheiro?’ sem saberem a resposta. E vão comendo bife ou cereais de acordo com o que dita o estrato”, diz Rui Bairrada.
Está na hora de mudar este pensamento. “Pegue nas faturas dos últimos três meses, numa folha e numa caneta e aponte todas as despesas”, sugere o nosso entrevistado.
2. As despesas fazem sentido?
Olhe para as suas despesas – será que todas são indispensáveis?
“A minha função não é dizer em que é que as pessoas devem gastar dinheiro, mas sim pô-las a pensar onde gastam”, afirma o CEO do Doutor Finanças.
E dá um exemplo: “Há uns dias, ao avaliar a situação financeira de um casal de 50 anos e ver onde poderiam cortar, percebi que a uma das coberturas do seguro da senhora era a de parto e perguntei-lhe se ela estava a pensar ter mais filhos, ao que ela respondeu que não há já dez anos, ou seja, esta família andou durante uma década a pagar a cobertura de um seguro que é só a mais cara porque nunca se questionou sobre o mesmo.”
Rui Bairrada lembra ainda que a quarentena pode ter dado uma ajuda para acabar com despesas desnecessárias em termos alimentares.
“Muitas pessoas passaram a comprar online e a cingir-se às listas de produtos de que necessitavam. Não houve compras por impulso, o que fez com que se poupasse dinheiro, tal como o facto de as pessoas terem cozinhado mais e verificado que é mais económico fazer a comida do que ir almoçar fora todos os dias.”
3. Onde posso cortar?
Depois de se questionar sobre todas as despesas, vai perceber onde pode cortar. “Uma das maiores prestações mensais dos portugueses é a do crédito habitação, por isso, é preciso estar atento às condições dos bancos e aos spreads para ver quais são as melhores opções do mercado”, ensina Rui Bairrada.
Analise também os seguros, as prestações dos carros, as telecomunicações e outras despesas fixas. “Muitas vezes, temos um sem-número de canais, mais gigas de Internet do que as empresas, telefone fixo e não usamos nada disso. Se só vê Netflix, será que vale a pena ter canais de televisão?”, questiona o CEO do Doutor Finanças.
“Feitas as contas, talvez gaste entre 70€ e 80€ por mês em coisas que não usa e isso equivale a quase mil euros por ano, que dariam para fazer aquela viagem com que anda a sonhar. Efetivamente, as pessoas não se questionam sobre o que pagam e não usam o dinheiro em coisas que lhes dão prazer, mas apenas para alimentar o consumismo”, acrescenta.
Rui Bairrada aconselha ainda a olhar para os débitos diretos com atenção. “Quando se faz esta análise, quase toda a gente se depara com saídas de dinheiro para coisas de que já não usufrui há meses ou anos, nomeadamente aquela mensalidade de ginásio que já não frequenta ou o seguro de uma mota que já vendeu”, alerta.
Em forma de remate, Rui Bairrada realça que este exercício pode fazê-la poupar entre 30% a 20%, aumentando assim o seu rendimento líquido mensal e isto é mais do que a maioria dos aumentos salariais que possam existir”.
Fundo de emergência
Poucos o têm, mas deveriam ter. Para Rui Bairrada, CEO do Doutor Finanças, o problema dos portugueses é serem demasiado otimistas e terem muito pouca consciência de poupança.
“Historicamente, segundo os últimos dados do Banco de Portugal, estamos nos níveis de poupança mais baixos de sempre: o nível médio é de 4%, extremamente baixo”, revela o nosso entrevistado.
Isto revela que os portugueses depressa se esqueceram da última crise financeira. “Voltou a euforia financeira e as pessoas não conseguiram organizar-se”, refere.
Mas isso acontece porque os salários são baixos? “Não, é uma questão cultural, até porque as pessoas que mais poupam são as que ganham menos (as que tem salários entre 600€ e 700€). Têm uma consciência de autopoupança maior porque têm a necessidade de organizar a sua vida para que o dinheiro chegue e ainda sobre para qualquer imprevisto.”