Meu, teu ou nosso? Como seis casais gerem o dinheiro
O dinheiro é uma das maiores fontes de tensão entre os casais. Antes de iniciar uma vida a dois, saiba qual será a melhor forma para gerir o seu dinheiro em casal.
Pelos vistos, a ideia romântica do amor e uma cabana dos filmes de domingo à tarde, não tem funcionado. O dinheiro parece estar no meio do que seria uma bela história de amor. Pelo menos, é o que refere o estudo Daily Patterns of Stress and Conflict in Couples que aponta o dinheiro como um dos principais conflitos entre casais
“Agora pago eu e depois pagas tu”, a mais conhecida e justa partilha dos namorados. No campo do amor idílico, será esta filosofia a mais correta? E quando o casal decide juntar os trapinhos? Qual será a solução? Contas conjuntas ou separadas?
Terá o cupido de conhecer o perfil financeiro, de cada pessoa, antes de lançar a sua seta? Como em qualquer área da nossa vida, é necessário existir “comunicação e confiança para que a gestão do dinheiro em casal não seja um problema”, afirma a Diretora Clínica Vera Ferreira.
Para ajudar quem vai iniciar uma vida a dois, fomos falar com seis casais* – todos em alturas distintas das suas vidas – para percebermos como fazem a gestão das suas finanças.
A vida financeira de seis casais
Carolina & Rodrigo
Profissões: Assistente de bordo da Emirates e Supervisor de uma empresa de safari
Idade: 26 anos / 30 anos
Localização: Dubai
Salários: Cerca de 8.000€ (os dois)
“Tanto os meus pais como os pais do Rodrigo transmitiram-nos a ideia de que a poupança é importante. Não gostamos de ser materialistas e o dinheiro para nós é, apenas, algo que nos ajuda a atingir os nossos objetivos.
Embora estejamos contentes com os nossos rendimentos, se ficássemos numa situação menos favorável, o ‘luxo’ que seria mais difícil de deixar seria, sem dúvida, viajar, que é um dos objetivos que temos em comum.
Estamos casados há quatro anos e, desde então, nada mudou. Sempre partilhámos tudo o que temos. E é nesse sentido que organizamos a nossa gestão do dinheiro, tendo uma conta conjunta. Pagamos todas as despesas dessa mesma conta e, na maior parte das vezes, vamos juntos às compras. Quando estou fora e quero comprar alguma coisa, falo com o Rodrigo quando regresso ao Dubai.
Às vezes discutimos por causa do dinheiro, mas não é algo que seja constante. Temos um fundo de emergência e costumamos poupar. Por enquanto, o nosso objetivo é pagar as nossas casas, no Algarve, que estão a arrendar. No futuro gostaríamos de comprar mais uma.”
Luísa & André
Profissão: Rececionista de um hotel e Ajudante de cozinha
Idade: 27 anos / 29 anos
Localização: Algarve
Salários: 1430€ (os dois; em época alta, com as gorjetas, este valor pode quase duplicar)
“Tanto eu como o André temos dificuldades em gerir o dinheiro. Fazemos imensas refeições fora, dinheiro que facilmente se pouparia, uma vez que acaba por ser um gasto algo supérfluo pois poderíamos comer em casa.
A diferença entre mim e o André é que eu imponho limites. Evito chegar ao final do mês sem dinheiro, ou seja, não faço um gasto maior que as minhas possibilidades.
Optámos por ter contas separadas, mas o André tem uma conta conjunta com os pais. Dividimos todas as despesas, mas às vezes eu tenho de cobrir a parte do André porque ele tem de emprestar dinheiro aos pais com frequência.
Discutimos com alguma regularidade por não existir dinheiro suficiente e, mesmo assim, ele não deixa de ir comprar tabaco ou ir beber café, e por tirar dinheiro da nossa casa para meter na casa dos pais. O que acaba por levar a que eu tenha de pedir aos meus pais. Desta forma, abre-se um buraco na minha casa, e depois tenho de pedir “terra” à minha mãe para tapar o meu buraco.
Dizem que o dinheiro não traz felicidade, mas eu não concordo, porque, infelizmente, muitas das preocupações que temos no dia-a-dia envolvem a falta de dinheiro.”
Margarida & Carlos
Profissão: Técnica de relação com o cliente e Técnico de marketing
Idade: 26 anos / 26 anos
Localização: Lisboa
Salários: 2500€ (os dois)
“Estamos juntos há 7 anos e vamos casar este ano. As nossas contas são separadas, mas também temos uma conjunta. Temos um fundo de emergência, investimos em depósito a prazo e, neste momento, estamos a poupar cerca de 150€ por mês, cada um, para o nosso casamento que é uma das nossas prioridades. No futuro queremos vender a nossa casa e comprar outra.
Não temos nenhum problema com a gestão do dinheiro. Dividimos as despesas, tendo em conta os gastos individuais e os ordenados de cada um. Optamos sempre por assegurar o pagamento de todas as despesas fixas e essenciais. A partir daí, orientamos o resto.
Depois de nos juntarmos, tornou-se muito mais fácil poupar e pagar as despesas.”
Maria & Pedro
Profissão: Professora do ensino básico e Vendedor numa bomba de gasolina
Idade: 36 anos / 36 anos
Localização: Algarve
Salários: não quiseram revelar
“Temos contas separadas e uma conjunta onde colocamos o dinheiro para pagar as despesas mensais. Além disso, todos os meses é depositada uma quantia de dinheiro na conta-poupança do nosso filho de cinco anos.
A nossa gestão de dinheiro está controlada. Como já temos um plano definido, não temos grandes dificuldades. A não ser quando o Pedro fica de baixa, devido a uma doença crónica. Nessas alturas, o ordenado do Pedro diminui, o que faz com que seja mais difícil pouparmos.
Depois do nascimento do nosso filho, tivemos de ‘esticar a corda’ e suprimir algumas coisas da nossa vida, como viagens ao estrangeiro, jantares fora com alguma frequência e idas ao cinema.
Por vezes existem pequenas discussões, quando um de nós quer comprar algo supérfluo e usa o dinheiro da conta conjunta. Combinámos gastar das nossas próprias contas e só utilizar a conta conjunta para a poupança e o pagamento de despesas. No entanto, quando isso acontece, no mês seguinte repomos o dinheiro que foi gasto.”
Rui & Mariana
Profissões: Ator e Creative Strategist
Idade: 23 anos / 23 anos
Localização: Lisboa
Salários: O Rui não tem um emprego fixo, vai vivendo de trabalhos pontuais. A Mariana está a acabar o seu mestrado e a concluir um estágio onde recebe 500€ mensais.
“Se ficasse numa situação menos favorável financeiramente, o que mais me custaria cortar talvez fosse a cerveja com os amigos. Sei que é um luxo. Mas, temos o mesmo grupo de amigos e gostamos muito de nos juntar e beber umas cervejinhas quando conseguimos estar todos juntos.
Namoramos há quatro anos, mas estamos juntos apenas há uns meses. Ainda não temos uma grande noção das mudanças, mas penso que seja mais fácil de regrar.
A Mariana é muito melhor do que eu a planear, por isso, ela trata dessa parte. Se fosse sempre eu a fazê-lo enchíamos a casa de coisas desnecessárias, como fermento em pó e faltariam, muitas vezes, coisas importantes.
A nossa gestão do dinheiro é feita com base na premissa de que, se estamos juntos nunca devemos nada um ao outro.
Temos contas separadas, mas tentamos ser justos e dividir as despesas quando há um gasto muito grande de uma das partes. Normalmente, gerimos com o espírito de partilha – uma vez gasta um, outra vez gasta outro.
Para já, temos um orçamento reduzido e os nossos pais ainda nos ajudam. Queremos começar a desafogar os nossos pais o mais rapidamente possível.
Quando assumi para mim mesmo que queria ser ator, preparei-me, a mim e à minha família, para o facto de poder viver períodos mais difíceis, pelo que o dinheiro para mim sempre foi secundário. Ainda assim, embora eu tente não lhe dar essa importância, sei que é algo de extrema importância e que influencia a nossa vida todos os dias.”
Helena & Ricardo
Profissão: Designer Digital e iOS Developer
Idade: 30 anos / 30 anos
Localização: Lisboa
Salários: Entre os 4.000 a 5.000€ (os dois)
“Temos um excel partilhado, mas cada um faz a gestão de quanto põe na conta conjunta por mês. Temos um limite mínimo. Se conseguirmos poupar mais nesse mês, esse dinheiro também vai para a conta conjunta.
A nossa maior dificuldade é sabermos ao certo quanto gastamos por mês. O excel que temos nem sempre está atualizado e, por vezes, existem despesas com as quais não estamos a contar, e no fim do mês essa diferença acaba por se notar mais.
Além da conta conjunta, também temos contas separadas que são para o dinheiro de cada um. A conta em conjunto é para pagar a renda da casa, supermercado, despesas gerais e viagens.
Desde que vivemos juntos, há cinco anos, que encaramos tudo como um só e não como singular. Se eu pago o jantar desse dia, o meu marido paga o almoço do outro dia e assim sucessivamente.
Casámos há um ano e, neste momento, estamos a poupar para as futuras obras da nossa casa. No futuro, queremos poupar para os nossos filhos e fazer contas-poupança para cada um deles para estudarem no estrangeiro.
A minha mãe nunca teve um cartão de crédito e nunca comprou nada a crédito. Dizia sempre ‘se não o tenho agora não o posso gastar’ e para mim isso teve bastante importância. A verdade é que não tenho nem quero ter nenhum cartão com nenhum tipo de plafond.
O meu marido sempre teve a noção de que poupar era uma coisa positiva. Lembro-me de contar que comprava sempre as coisas que queria a meias com os pais. Se queria uma bicicleta, ele pagava metade, com o dinheiro que ia poupando. Quando tivesse a quantia da metade do valor e se se portasse bem, os pais ofereciam o resto.”
Os problemas mais comuns e quais as soluções
Contas conjuntas ou separadas, ‘eu recebo menos do que tu, logo tens de ser tu a pagar mais’, abusos de poder, falta de planeamento… Enfim, podem ser muitos os motivos de discórdia entre os casais.
Para esclarecermos estes assuntos e encontrarmos soluções, fomos falar com três especialistas em terapia de casal.
Os problemas mais frequentes
• Diferentes hábitos de consumo
Este problema atinge ambas as partes: “Para quem é mais contido nos gastos, ver o outro gastar no que considera supérfluo e sem preocupação com o futuro; para quem despende, por se sentir criticado e incompreendido”, refere a Psicóloga Rita Fonseca de Castro;
• Não terem um plano financeiro
“Em casal, o que mais vezes causa discórdia é o facto de nem sempre as pessoas se lembrarem de qual o objetivo real do dinheiro na nossa vida”, refere Vera Ferreira, Diretora Clínica, da Clínica de Psicologia e Coaching Learn2be.
• Comportamentos compulsivos
Nesta situação, “existe uma parte tóxica de um dos elementos que impossibilita a capacidade de dialogar e chegar a acordo, menciona Celina de Almeida, Diretora Clínica da Insight Psicologia;
• Falta de comunicação
Na situação em que há diferenças de ordenado, “acharmos que o outro nos considera inferior, não significa que esse outro realmente pense dessa forma, mas nunca o saberemos até termos a coragem de lhe perguntar”, explica Vera Ferreira.
Quais são as soluções?
• Fazer uma análise especifica de todos os rendimentos e despesas do casal.
• Não tentar mudar o outro, mas “procurar chegar a acordos ou compromissos em que ambos cedem e se deslocam um pouco para fora daquilo que seria o seu ideal”, explica Rita Fonseca de Castro;
• Ter objetivos. Fazer planos é muito importante, principalmente quando se sabe que vai ocorrer alguma mudança, como por exemplo, o nascimento de um filho;
• Identificar quais os “gatilhos” que existem para gastar dinheiro. Por exemplo, “ir às compras depois de um dia de trabalho exaustivo e frustrante;”, diz-nos Rita Fonseca de Castro;
• Reavaliar o orçamento familiar. Este é um ponto importante para ser trabalhado à medida que a realidade financeira do casal vai sofrendo alterações, “para que este seja ajustado às necessidades e reais possibilidades”, explica Rita Fonseca de Castro.
Não existe uma fórmula certa para a boa gestão de dinheiro em casal, porque cada caso tem as suas particularidades. No entanto, é importante que este tema seja “explorado antes do início de vida em conjunto”, refere Celina de Almeida.
Contas conjuntas ou separadas, são ambas soluções adequadas. “A questão é que faça sentido a ambos, que não cause problemas relacionados com a necessidade de autonomia nem provoque insegurança e desconfiança. O importante é que desde que se tornam um casal estipulem quanto do ordenado de cada um entra para as despesas conjuntas e o que fica para ser gerido individualmente”, explica a Diretora Clínica da Insight Psicologia.
* Por preferirem anonimato, os nomes dos casais foram alterados.
Fontes: Estudo Daily Patterns of Stress and Conflict in Couples; Clínica de Psicologia e Coaching Learn2be; Terapia de Casal; Clínica Insight Psicologia; Oficina de Psicologia
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