Saiba como negociar o seu salário
Nunca se falou tanto de dinheiro como nos dias de hoje. No entanto, negociar salários e falar sobre quanto se recebe ainda continua a ser um tabu para muitas pessoas. Como se negoceia um salário? Será esta uma questão de género?
Tratar o dinheiro por ‘tu’ pode ajudar a desmistificar algumas crenças associadas ao dinheiro e a contribuir para que o gap salarial seja menor. A negociação do salário será uma questão de género? As mulheres têm mais dificuldades em falar de dinheiro em comparação com os homens? Porquê?
Para esclarecer estas questões falámos com duas especialistas das áreas de wellness coaching e de finanças pessoais e com dois profissionais da área dos recursos humanos.
Vamos falar de dinheiro? Sim! No feminino e no masculino
É sabido que, de uma forma geral, os homens ganham mais do que as mulheres nas mesmas funções e que ocupam mais posições de topo. Terão as mulheres mais dificuldade em falar sobre dinheiro? Em mostrar o seu valor e, consequentemente, evitar pedir um aumento?
Estudos realizados por Linda Babcock e Sara Laschever, para o livro Women Don’t Ask (Princeton University Press, 2003), comprovaram que os homens negociam cerca de quatro vezes mais os salários do que as mulheres. Estas, por sua vez, admitem sentir muito mais tensão sobre o tema do que os homens. Apesar de reconhecerem a importância do processo de negociação, 20% das mulheres admitiram que nunca negociaram o seu salário.
Não pedir um aumento pode estar associado ao facto de as mulheres não falarem tanto de dinheiro. Elas “têm com mais frequência conversas sobre a forma como se sentem. Questionam-se mais e partilham, sobretudo entre si, experiências e aprendizagens, seja sobre temas do quotidiano, seja sobre as suas vidas pessoais e profissionais. Quanto a falar sobre o quanto ganham, essa é uma informação que tendem a reservar para si“, revela a coach Aldina Costa.
Para Susana Albuquerque, coach de finanças pessoais, os homens encaram esta questão do dinheiro com maior facilidade por razões históricas e culturais. O facto de a emancipação feminina ter apenas algumas décadas influencia todo o processo. Contudo, este tabu de falar sobre quanto se ganha, também afeta os homens, principalmente quando estes acham que o valor é inferior à média do mercado ou àquilo que os seus colegas ganham.
No entanto, um artigo recentemente publicado na Harvard Business Review, fala-nos sobre um estudo que contradiz algumas destas opiniões. A investigação conclui que as mulheres pedem aumentos salariais com a mesma frequência do que os homens, embora seja mais provável que os homens consigam efetivamente obtê-lo e as mulheres não.
Foi analisado se as mulheres costumam agir de uma forma menos assertiva nas negociações, por receio de ferir suscetibilidades do chefe ou dos colegas. A conclusão foi a de que esse receio é válido tanto para homens como para mulheres.
Como negociar um salário (ou um aumento) sem qualquer pudor
O primeiro passo para negociar um salário com sucesso é a preparação. Além disso, deverá “ter uma expectativa realista e específica baseada nas competências, na experiência, no mercado de trabalho, mas acima de tudo, na consciência e dados objetivos sobre aquilo que dá à empresa quando presta o seu serviço, tudo o que já produziu e concretizou no último ano”, aconselha Susana Albuquerque.
No que diz respeito ao valor em negociação, existem várias opções a ter em conta. Por exemplo, “se queremos muito trabalhar na empresa em questão, possivelmente poderemos ser mais flexíveis em chegar a um compromisso. Por outro lado, se não estamos a necessitar urgentemente de uma mudança, poderemos arriscar um pouco mais na abordagem”, refere Nuno Simões, Human Capital Coordinator da PwC Portugal, Cabo Verde e Angola.
Os dois especialistas deixam alguns conselhos a ter em conta na negociação de um salário.
Dicas para negociar o salário
• Mostre confiança e estabilidade;
• Utilize um tom amigável;
• Não peça nada que não consiga argumentar. Utilize argumentos concretos para explicar porque merece mais do que o que propõem;
• Controle o seu lado emocional. Facilmente podemos ter momentos de ansiedade, receio, dúvida que poderão prejudicar o resultado final;
• Deixe claro quais as suas intenções e qual a ordem do aumento que deseja obter.
Dicas para pedir um aumento
Se pretender pedir um aumento, deve fazer um registo dos aspetos em que tenha sido bem-sucedida e que tenham contribuído para o sucesso quer da sua equipa, quer da empresa. “Este exercício permite-lhe não só relembrar, objetivamente, porque merece um aumento, mas também recordar à sua chefia todas as metas que atingiu e sua contribuição para os resultados da empresa”, afirma Susana Albuquerque.
O ideal será preparar esta conversa com alguém de confiança ou com um coach, para que seja mais fácil reunir os argumentos que vão justificar o seu pedido, antecipando os obstáculos que poderão surgir.
Tenha atenção se tiver em mente comparar o seu salário ao de um colega. Embora existam apoiantes desta estratégia, ao fazê-lo estamos a correr o risco “de num momento para o outro a conversa que deveria ser acerca de nós e da nossa situação profissional, passar a ser acerca do nosso colega e das razões para existirem essas diferenças”, alerta Nuno Simões.
Aldina Costa sugere um conjunto de perguntas que deve colocar a si própria, antes de negociar um salário ou pedir um aumento, uma espécie de autocoaching:
• O que a leva a crer que é possível uma negociação?
• Que casos conhece em que isso tenha acontecido?
• O que esteve na origem do sucesso ou insucesso das negociações que tem conhecimento?
• O que a leva acreditar que o salário que lhe foi indexado deveria ser atualizado?
• Que argumentos apresentaria para sustentar a sua reivindicação?
• Quem seria o interlocutor na empresa, a quem pediria para ter uma conversa sobre o assunto?
• O que pode fazer para assegurar uma boa preparação?
Qual é a altura ideal para pedir um aumento?
Feita esta reflexão, é altura de agendar uma reunião para discutir o tema. Mas quando? “Não existe um momento certo para pedir um aumento, mas sim momentos mais propícios para que esse tema possa surgir de forma natural, o que por si só poderá aumentar as probabilidades de sucesso”, indica o especialista em recursos humanos.
De acordo com Nuno Simões e Susana Albuquerque, os momentos que devem ser levados em consideração são:
• Momentos de avaliação de desempenho.“São sempre bons [momentos] para abordar o tema, por um lado porque são feitos balanços por ambas as partes, e por outro porque existe também a gestão de alinhamento de expectativas para o futuro”, esclarece Nuno Simões;
• A aceitação de novos projetos;
• Mudança de emprego;
• Quando termina uma formação importante, como uma pós-graduação ou um mestrado.
Estarão as mulheres a mudar o seu comportamento?
Nuno Simões, que tem 19 anos de experiência na área de Recursos Humanos, diz-nos que ao longo da sua carreira tem sentido uma evolução positiva por parte das mulheres, sobretudo na maneira como abordam o tema de negociação salarial. É da opinião que na área onde está inserido, Auditoria e Consultoria, esta desigualdade de género não é tão visível, principalmente nas novas gerações.
Apesar de começar a existir um maior interesse das mulheres em falar sobre dinheiro e em criar uma independência financeira, dizer quanto se recebe ainda é tabu, pois “o valor do salário continua a ser confundido ou associado ao valor próprio”, esclarece Susana Albuquerque.
As mulheres preocupam-se mais com a vida familiar?
Um novo estudo realizado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, sobre as mulheres em Portugal, mostrou que a grande maioria das mulheres portuguesas dedicam o seu tempo livre às tarefas de casa. “As mulheres destinam mais de metade do tempo que passam acordadas, em casa, a cuidar da casa e da família, e especialmente da sua descendência”, lê-se no estudo.
A situação piora quando a mulher tem filhos pequenos. “Nesta situação, o tempo para si próprias fica reduzido a menos de uma hora por dia (54 minutos, em média)”.
A desigualdade na realização das tarefas domésticas, entre a mulher (74%) e o homem (23%), acaba por ser espelhada no trabalho. As mulheres tendem a deixar de priorizar algumas questões relacionadas com a vida profissional, para que possam dedicar mais tempo às tarefas domésticas.
Miguel Santos (nome fictício), consultor de Recursos Humanos, comprova esta questão, referindo que as mulheres têm outras preocupações além das expectativas salariais. “Por norma, as mulheres estão mais preocupadas com o horário de saída para ir buscar os filhos ou para estar com o marido. Uma mulher que esteja a pensar em ser mãe, vai precisar de uma empresa que ofereça outro tipo de estabilidade e flexibilidade, mesmo que ganhe menos.”
Pronta para negociar o seu salário? Conheça agora estas mulheres portuguesas que ficaram para a história.