Como manter a vida social com um orçamento limitado

Não consegue acompanhar os seus amigos nos programas sociais? Um psicólogo e um consultor financeiro mostram como manter a vida social com um orçamento limitado.

Por Out. 18. 2023

Em tempos de incerteza económica, muitos enfrentam o dilema de manter uma vida social ativa sem prejudicar as finanças.

Sara, de 41 anos, outrora secretária de direção numa empresa, a trabalhar agora num café, enfrenta uma nova realidade financeira: “A empresa onde trabalhava decidiu encerrar por tempo indeterminado na pandemia. Agora, estou a servir cafés em vez de ajudar a fechar contratos milionários”, desabafa.

A frustração não é só a perda do emprego, confessa, é também já não poder aceitar todos os convites para fins de semana fora ou jantares em restaurantes da moda com as amigas que ganham bem.

“Hoje em dia, sair tornou-se numa espécie de tortura. Sugiro sítios onde o menu não exige a ‘venda de um rim’ e tornei-me numa mestre do Excel. Quem diria que um dia estaria a usar fórmulas complexas para calcular se posso ou não pedir a sobremesa?”, ironiza.

Emoções várias

De acordo com o psicólogo Fernando Lima Magalhães, “é absolutamente normal sentir emoções desagradáveis em situações de mudança. A tristeza sinaliza a perda de algo – como as atividades que proporcionam prazer; a raiva e a frustração são indicadores de desejos não satisfeitos e até a inveja é normal neste contexto, pois facilmente nos comparamos com os outros”.

“O importante é não sucumbir a essas emoções e procurarmos usá-las a nosso favor, como uma motivação para procurar soluções alternativas, ou seja, focarmos a nossa energia naquilo que podemos controlar para melhorar a nossa vida”, acrescenta.

Não podendo fazer tudo, um bom critério é investir nas atividades que lhe dão mais prazer.

Sara não é a única a fazer contas de cabeça quando folheia o menu. “No contexto socioeconómico atual, nomeadamente com o aumento da inflação e taxas de juro, há desafios que precisam de ser abordados”, aponta o consultor financeiro Sérgio Cardoso.

Mas, felizmente, desistir de socializar não é um dos primeiros conselhos do especialista do Doutor Finanças, plataforma de literacia financeira.

“O nosso bem-estar resulta de um equilíbrio constante entre várias vertentes que se influenciam mutuamente: física, mental, financeira e social. Imagine uns pratos chineses a rodar: todos eles precisam de atenção para não cair. O desafio é conseguir combinar estas dimensões e não há uma fórmula mágica”, diz.

Olhar para as prioridades

Se abdicar de um dos pratos, não é aconselhável. Pode haver alturas em que vamos priorizar mais um do que outro. O segredo é perceber qual é o mais importante no momento e fazer escolhas.

Não faz sentido abdicar totalmente da vida social. No limite, devemos procurar alternativas noutras vertentes da nossa vida (ainda que temporariamente) para compensar, como, por exemplo, em vez de pagar uma mensalidade no ginásio, começa a correr no parque local”, opina Sérgio Cardoso.

Não podendo fazer tudo, um bom critério é investir nas atividades que lhe dão mais prazer.

Como começar

Para tomar as rédeas da vida social e financeira vai ter de se organizar e o primeiro passo é um raio-x financeiro.

“Sempre que a nossa situação financeira se altera, devemos revisitar o orçamento de forma a conseguirmos ajustarmo-nos à nova realidade, percebendo se (e o que) precisamos de fazer algo para atingir os nossos objetivos”, começa por notar.

“O desafio é procurar ineficiências. Depois, vai conseguir definir qual a fatia do seu orçamento que vai poder dedicar ao seu ‘eu social’”, explica o consultor financeiro.

É um esforço com elevado retorno, garante. “Com alguma sorte, esta alteração de comportamento vai perdurar além do desafio atual, aumentando a sua folga orçamental no futuro.”

Abra o coração, não esvazie a carteira

A boa notícia é que manter uma vida social ativa e saudável não implica esvaziar a carteira, mas talvez seja boa ideia abrir o coração e falar com os amigos sobre os desafios financeiros. A transparência pode ser libertadora.

“Passamos o dia a pensar em dinheiro, falamos pouco ou nada sobre isso e raramente pedimos ajuda. Se o fizer, provavelmente algum ou vários destes cenários irão ocorrer: os seus amigos também atravessam esse desafio; ou vão perceber que terão de adequar os programas durante esta fase; ou vão conseguir ajudá-la a afinar o orçamento, seja pela ótica da despesa ou do rendimento”, diz Sérgio Cardoso.

E acrescenta: “Seja qual for o cenário, vai sentir-se melhor, não terá de inventar desculpas para não se juntar aos programas e não vai criar desafios financeiros futuros por querer alinhar em todos os programas”

O peso do dinheiro

Mas, afinal, por que é que o dinheiro tem um peso tão grande na forma como nos vemos e como os outros nos veem?

Fernando Magalhães tem uma explicação: “Infelizmente, na nossa cultura capitalista, cria-se a ilusão de que o nosso valor depende do quanto temos. Associamos dinheiro a ser bem-sucedido, isto é falso e tóxico”.

Continua: “Há uma pressão de manter a imagem de ser bem-sucedido, em vez de sermos empáticos com os momentos menos bons dos outros e falarmos à vontade sobre questões financeiras. Boas conexões sociais são tidas hoje como o principal fator de felicidade e não custam dinheiro”.

“Mas também precisamos de cultivar as nossas forças de carácter no tempo de lazer, como a curiosidade (ir a museus, por exemplo), coragem (persistir com os nossos objetivos na procura de emprego) ou transcendência (cultivar a esperança e otimismo). O importante é aprender a adaptar-se e descobrir que existem outras coisas que dão prazer e novas formas de se relacionar com as pessoas”, termina.

Como manter uma dieta social equilibrada

O consultor financeiro Sérgio Cardoso partilha os ingredientes que deve ter sempre à mão.

“Faça um raio-x financeiro: Anote e analise todas as receitas e gastos, dos essenciais aos não essenciais, dos fixos aos esporádicos.”
Procure ineficiências. Há despesas incontornáveis e provavelmente, terá de alterar comportamentos: gastar menos água, desligar as luzes de casa, encomendar menos take-away, visitar menos o centro comercial, ter menos plataformas de streaming, entre outras.”
Programe com antecedência para encontrar melhores condições financeiras.
Procure opções grátis ou low budget. Este último não é sinónimo de menor qualidade. Há museus gratuitos, concertos grátis, muitos parques para piqueniques…”

A versão original deste artigo foi publicada na revista Saber Viver nº280, outubro de 2023.
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