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Filigrana: a arte que vale ouro

A indústria da filigrana emprega mais de três mil pessoas só no concelho de Gondomar. Recentemente, ganhou um selo de certificação e uma candidatura a Património Cultural e Imaterial da Humanidade. Conheça melhor esta técnica ancestral bem portuguesa.

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Filigrana: a arte que vale ouro Filigrana: a arte que vale ouro
© instagram @joias_inesbarbosa
Margarida Figueiredo
Escrito por
Jun. 22, 2020

A filigrana é inteiramente feita à mão e exige dos ourives paciência, imaginação e habilidade. É uma arte é minuciosa e aqueles que a sabem trabalhar desenvolvem um grande prazer em cada peça concluída.

O poder criativo e a sensibilidade artística destes artífices são de um enorme potencial. Cada um tem a sua oficina e a sua forma própria de trabalhar, existindo mesmo alguma competitividade entre elas.

Existem dezenas de oficinas de filigrana e a maior parte funciona na casa dos próprios ourives. É uma arte de gerações, cujo conhecimento e formação é transmitido de pais para filhos.

A história da filigrana

As peças de filigrana mais antigas descobertas na Península Ibérica remontam a 2000 a 2500 a.C., possivelmente trazidas por comerciantes ou navegadores oriundos do Médio Oriente.

Isto porque a exploração mineira em território nacional só aconteceu mais tarde, com o domínio romano durante o século II a.C. – foi neste período que se começaram a explorar as minas da serra das Pias e da serra de Banjas, em Gondomar.

Embora só no século VIII d.C. haja registo de que a filigrana estava a ser desenvolvida e produzida em Portugal, foi com a chegada dos povos árabes que surgiram novos padrões e que, pouco a pouco, a filigrana da península se começou a diferenciar da filigrana de outras zonas do mundo.

Enquanto, em Espanha a tradição se foi perdendo, em Portugal, apurou-se. A partir do século XVII, a filigrana portuguesa tinha desenhos próprios e moldes muito diferentes de qualquer outra.

Os nossos estilos muito próprios

A filigrana portuguesa representa maioritariamente o mar, a natureza, a religião e o amor.

O mar é representado através dos peixes, das conchas, dos barcos e das ondas. A natureza é inspirada pelas flores, pelos trevos e pelas grinaldas. Os motivos religiosos aparecem nas cruzes, como a cruz de Malta, nos relicários e, mais recentemente, nas medalhas com santos, anjos e figuras religiosas. O amor é a inspiração de todos os corações.

Coração de Viana

Outros símbolos icónicos da nossa filigrana têm uma origem histórica, como é o caso do coração de Viana.

Ao contrário do que possa parecer, o propósito inicial não foi ser um símbolo de amor entre namorados, mas um símbolo de dedicação e de culto ao sagrado coração de Jesus.

Foi a rainha D. Maria I, grata pela bênção de ter concebido um filho varão, que mandou fazer um coração em ouro. Com o decorrer dos anos, acabou por ser relacionado com o amor profano e símbolo da ligação entre um casal de apaixonados.

Tornou-se tão popular que as linhas do coração de Viana e as cornucópias começaram a ser reproduzidos em lenços bordados. Um facto que pode ter contribuído para o reconhecimento e a popularidade que se mantêm até hoje.

 

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Brincos da Rainha

Já aqueles que conhecemos vulgarmente como ‘brincos da rainha’ apareceram em Portugal durante o reinado de D. Maria II (1819-1853), que usou um par dos mesmos numa visita a Viana do Castelo em 1852.

Após essa visita, popularizaram-se como símbolo de riqueza e estatuto social e ficaram conhecidos por ‘brincos da rainha’.

Em outras zonas do Minho também são conhecidos como ‘brincos de fidalga’. Com um desenho peculiar, cheio de simbolismo, são identificados como um símbolo da fertilidade feminina – uma parte redonda com um círculo mais pequeno ligado à peça principal de forma ligeira.

Representa um elo de ligação do filho ao ventre da mãe, do qual se irá libertar; há ainda uma parte inferior do brinco – um triângulo invertido – que representa o sagrado feminino, a fertilidade e o lado lunar.

Arrecadas

Igualmente importantes são as arrecadas, que começaram por ser os brincos das mulheres mais humildes, que as classes mais abastadas começaram a imitar. Na sua origem estavam as arrecadas castrejas, inspiradas no quarto crescente da Lua.

Contas de Viana

Assim como os colares de contas são tão antigos quanto a arte da ourivesaria, as contas de Viana são descendentes das contas gregas: são ocas por dentro, o que as torna leves e perfeitamente esféricas.

Distinguem-se, no entanto, por um fio em filigrana e por um pequeno ponto ao centro. Surgiram pela dificuldade em comprar um colar inteiro em filigrana – as mulheres iam comprando conta por conta até terem conseguido completar um colar. Tinham também a vantagem de alterar o fio e deixá-lo com o comprimento pretendido.

 

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A filigrana atualmente

O fabrico da filigrana concentra-se nas zonas de Gondomar e na Póvoa do Lanhoso. No Minho, a filigrana continua associada a uma longa tradição: os ‘trajes de domingar’. O traje minhoto feminino é sempre complementado com diversas peças de ouro, incluindo colares e brincos que passam de geração para geração.

Arte certificada

Reconhecendo a importância desta arte, a Câmara Municipal de Gondomar e o município de Póvoa do Lanhoso – as regiões onde se concentram a maior parte das oficinas no País – uniram esforços para proceder à certificação da verdadeira filigrana.

Segundo o presidente da Câmara de Gondomar, Marco Martins, “a filigrana é uma arte. Todo o trabalho é feito à mão, leva bastante tempo e cada peça é única. Para conseguirmos distinguir entre a verdadeira filigrana e outra, vinda do exterior e que é industrializada, criámos uma marca, que se chama Filigrana de Portugal.”

“Atualmente, já quase todas as ourivesarias e lojas de rua exigem esse certificado para vender peças de filigrana. Só as peças com esse certificado é que são verdadeiras. São nacionais e autênticas”.

A marca é feita numa contrastaria – a Contrastaria da Imprensa Nacional da Casa da Moeda, que tem três polos: um em Lisboa, outro no Porto e outro em Gondomar. Era neste concelho que eram cravadas mais de 60 por cento de todas as peças de ouro e prata produzidas em Portugal.

Património Imaterial da UNESCO?

A certificação destas peças e a renovação das gerações de ourives deram à arte da produção de filigrana novo fôlego e justificaram a sua candidatura a Património Cultural e Imaterial da Humanidade.

“Os filhos dos ourives têm agora acesso a novas tecnologias, à Internet, e quase todos têm formação universitária. O design e a inovação estão atualmente muito presentes nestas peças e cada ourives tem uma coleção única para mostrar, que vai muito além dos típicos corações – a peça icónica desta arte em ouro –, brincos, gargantilhas e anéis. Esse renascer da arte fez-nos avançar para a recolha de material histórico sobre esta arte e candidatá-la a Património Imaterial da UNESCO.”

Para promover essa candidatura, a Câmara Municipal de Gondomar voltou a reunir os ourives e propôs-lhes a construção de um coração gigante em filigrana.

“É o maior coração de filigrana do mundo e cada ourives teve a possibilidade de produzir uma parte do seu interior, para que quem participou pudesse mostrar um pouco da sua arte. O desafio agora é torná-lo itinerante, para que possa estar presente em feiras e certames e seja o representante oficial da filigrana e o seu principal promotor”.

Por seu lado, o presidente da Câmara da Póvoa do Lanhoso, Avelino da Silva, considerou ser muito importante uma candidatura a Património da Humanidade pela preservação de uma arte que tem um valor incalculável: “a técnica da filigrana merece esse estatuto e, apesar de ter consciência das dificuldades e da exigência de todo o processo, considero que não devemos desistir desse objetivo”, defende.

O prémio ajudaria a alavancar um sector importante da economia local.

A versão original deste artigo foi publicada na revista Saber Viver nº 240, junho de 2020.

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