Falar da Buzina, a marca de moda portuguesa criada em 2016, sem mencionar Vera Fernandes é uma impossibilidade. Completamente indissociáveis, a criação e a sua criadora partilham o mesmo ADN criativo.
A fundadora desta marca portuguesa é responsável por pensar e desenhar as peças que tanto sucesso têm feito, principalmente ao nível das redes sociais. De tamanho único, característica que as distingue logo à partida, podem adaptar-se a diferentes formas corporais.
A marca, que por um acaso feliz se rege pelas linhas da sustentabilidade, prima pela qualidade das suas peças, e sabemo-lo imediatamente pelo toque e vislumbre. Mais, cada coleção tem somente 20 peças – produzidas entre 10 a 70 vezes. A personalização é, pois, o desafio.
É que Vera abomina a ideia de as mulheres portuguesas desfilarem no dia a dia todas de igual. O seu sonho? Que todas tenham a oportunidade de ter uma peça Buzina no seu closet. Simples.
As suas clientes são, sem margem para alguma dúvida, o seu foco “elas são a minha inspiração, elas é que ditam a tendência, é que ditam a moda” e ainda acrescenta “podem até não saber, mas são quem me dizem o que querem usar”.
Quando falamos do presente, Vera é peremptória “a marca está numa fase boa, está tudo a acontecer, trabalha-se muito para isso” e não é para menos. A Buzina vai estrear-se na ModaLisboa, na edição de outono-inverno 2020/21 no palco LAB – uma coleção sob a designação de INPUT. Será no próximo 7 de março, pelas 16h.
Para já, aproveitamos a vinda à capital da empreendedora para fazer as perguntas que não aguentávamos mais.
Entrevista a Vera Fernandes, CEO e diretora criativa da marca
Como surgiu a ideia de criar a marca Buzina?
Tinha uma loja de criança que era a Meninamanel e desde nova que gostava de moda. Sempre gostei. Depressa percebi que as pessoas gostavam da maneira como eu me vestia.
Comecei a fazer as minhas primeiras peças e o sítio onde hoje é a Buzina era onde se encontrava a antiga loja de criança. Mudei. Vendi a marca que tinha e fiquei com os clientes que já iam lá comprar roupa de criança e começaram a comprar roupa de adulto.
De onde veio o nome?
Quando pensei na marca, não tinha ainda nenhum nome, só sabia que queria que fosse português. Não podia ser nenhum nome estrangeiro, não fazia sentido. Desde sempre que fui muito ligada a novelas. E havia uma novela em que as personagens trabalhavam todas numa usina. E eu adorava este nome. Quando fui perceber o que significava, era uma fábrica, no dicionário.
E percebi que já havia uma marca a usar este nome, então disse Buzina. Quando contei aos meus amigos, pensaram todos que eu tinha enlouquecido. E a partir daí, começou a fazer sentido porque eu percebi que ia dar que falar, que ia fazer barulho. Que era diferente e que tinha tudo a ver com o que eu queria passar. E quando eles mais me diziam que não era por aí, mais eu achava que não podia ter outro nome.
Sempre gostou de moda? Sabemos que não fez formação nesta área…
Não tenho formação de moda. A única coisa que a marca tem é o meu cunho pessoal, neste caso, o meu gosto pessoal, o meu gosto pela moda, a maneira como eu vejo a moda, a maneira como eu entendo a moda.
Já pensei em tirar uma formação mais técnica, até porque alguns conceitos podem fazer sentido…. Foi uma fase em que se calhar achei que seria necessário, mas penso que não me vai acrescentar muito mais. O conhecimento não ocupa espaço e podia fazê-lo mas, de momento, não penso nisso.
Onde encontra inspiração para a criação das suas peças?
Penso que toda a gente conhece uma novela chamada Tieta. Eu sempre vi muitas novelas. E havia sempre aquela personagem que se vestia melhor… E eu delirava com aquilo, achava espetacular. Sempre achei e penso que a maior parte das minhas inspirações vêm daí.
Eu vejo, gosto, idealizo. Por isso é que acredito que a marca tem o meu ADN, tem o meu cunho.
Não é uma marca estática. É uma marca baseada em várias personagens e várias inspirações. Principalmente nas novelas, porque se há pessoas viciadas em séries, eu sou em novelas.
Como descreveria a mulher Buzina?
Inteligente, sem dúvida. As mulheres que conheço, as que são minhas clientes desde sempre, a quem eu tive o prazer de acompanhar e que permitiram que a minha marca entrasse no guarda-fatos delas, são mulheres que gostam de moda, que têm atitude e que são seguras. Gostava muito que todas as mulheres que comprassem Buzina percebessem o que estou a querer transmitir.
Uma mulher Buzina é quem quiser ser uma mulher Buzina mas sobretudo a característica que todas têm em comum é a segurança. Acho que é preciso algum atrevimento para vestir as minhas peças.
O que é que acha que a marca traz de diferente para o mercado português?
É uma boa pergunta. Eu acho que sou uma espécie de alta costura-comercial.
Mas ao nível do design também é algo diferente do que já existia…
Sim. Mas isso não foi presunção minha. Não acho que esteja a dar nenhuma novidade ao mundo, nesse sentido. Mas se me disser que estou a dar uma novidade no sentido de explicar às pessoas que elas podem ousar no dia a dia, por aí sim.
Por isso é que eu digo que as minhas mulheres são inteligentes e percebem de moda. Porque é preciso coragem para sair com alguns outfits à Buzina. É uma mulher tão segura, tão segura que não precisa da roupa para sobressair. A roupa sobressai mas é preciso ter a ousadia para a vestir.
Então talvez o que tenha trazido de novo ao mercado é esta ousadia…
As pessoas deveriam perceber que é possível andarem vestidas com moda. É possível consumi-la no dia a dia. Não precisa de ser uma ocasião especial. Deixou de existir esta ideia.
Se antigamente existia uma roupa para o domingo e outra para a semana, hoje não existe isso. As pessoas vestem-se para ir ao trabalho e à noite, trocam os saltos altos por uns ténis (ao contrário até do que costumava acontecer) e vão assim beber um copo. Vão com a mesma roupa, não precisam de se trocar. E é um bocadinho isto que a roupa da Buzina permite.
Sabemos que a sustentabilidade é uma das preocupações da marca. Como é que concretizam este conceito?
A Buzina é uma marca sustentável, mas é importante que fique claro que isto aconteceu por consequência. Ou seja, servimo-nos de stocks existentes em fábricas, neste caso a Riopele que é uma fábrica da zona que nos acompanha desde o início. Eu não mando produzir nada, e também não faço tantas peças que se justifiquem a produção. E esta situação permite-se ao utilizar excedentes de stocks já existentes nas fábricas.
Então foi uma consequência, não foi um propósito.
Sim, quando dei por mim tinha uma marca sustentável. O que é ótimo, mas este discurso que estou a ter agora, não quero que seja jogado contra mim se um dia isto deixar de ser assim… Porque eu acho que também é possível produzirmos em bom. Não tem que parar o mercado por causa da sustentabilidade. A marca é pequena e permite-me trabalhar desta maneira.
A nível social acho que também funciona muito bem nesse sentido porque tenho uma modelista e três costureiras e todas elas são bem remuneradas pelo trabalho que fazem, estamos todos relativamente perto, daí ser uma marca sustentável também nesse sentido.
Considera-se feminista? De que forma é que o empoderamento feminino inspira a Buzina?
Eu trabalho mulheres, visto mulheres, acredito na liberdade das mulheres. Não sou extremista, não ando com nenhuma bandeira, mas gostava que fosse verdade que contribuí para que, de certa forma, as mulheres se sentissem mais seguras. Gostava muito que elas percebessem que podem. Se quiserem, que podem.
Atenção que uma roupa minha pode não ficar bem, claro que sim, isso pode acontecer como em todo o lado. Quando é assim, eu digo. Mas é bom que elas se permitam pelo menos a experimentar, a usar e arriscar um bocadinho mais.
Da mesma forma, pelas costureiras com quem trabalha e pelas condições que oferece, tudo isto também tem a componente social e acaba por ser também um empoderamento às mulheres…
Sim e elas percebem agora perfeitamente o impacto que a marca esta a ter. É muito bom ver que as costureiras percebem que as coisas têm de estar bem feitas porque atingimos um patamar em que é importante haver qualidade e isto é tudo feito em equipa.
São pessoas mais velhas?
Sim, sim.
Que a Vera já conhecia…
O meu braço direito é a minha modelista, primeiramente até a nível particular. Ela embarcou comigo neste projeto. Eu acho que ao início ela não acreditava nada. Acho, ela nunca me disse isso. A verdade é que esteve sempre comigo. Era uma modelista aberta ao público e num instante tornou-se exclusiva minha. Eu crio os modelos e depois acompanho na confeção.
Na sua ultima coleção (Simone e Eva) deu palco a mulheres mais velhas como manequins. Esta é uma coleção que pretende agradar a um publico mais velho ou mostrar que a moda pode estar voltada para várias idades? Qual é a mensagem?
A última coleção da Buzina é uma coleção como todas as outras. Quero que saibam que sempre fotografei clientes. Foi exatamente o que aconteceu nesta ultima coleção. Calhou ser uma mãe e filha, não foi propositado. A mãe acabou por embarcar nesta aventura também. É uma coleção como todas as outras, mas são mulheres Buzina porque são mulheres que vestem a minha marca.
O que eu quero passar é que mais do que uma instagramer, uma influencer, o que queiram chamar, mais do que uma modelo, quem compra a minha roupa é digno de a vestir e de ser fotografada com ela. Essa é a mensagem principal. Quem compra pode. É normal que as pessoas achem que há ali uma mensagem. Aconteceu, mas foi casual.
Onde se podem adquirir as peças?
Online, essencialmente online. Temos um ponto de venda principal em Joane – Vila Nova de Famalicão – de onde a marca é originária e onde residem muitas clientes. Embora o online agora esteja a superar. São esses os dois pontos de venda. Temos ainda algumas lojas multimarca que vendem a nossa marca, mas ainda não está trabalhado a 100%.
Como reagiu quando soube que ia estar pela primeira vez na ModaLisboa? O que se pode esperar da coleção que vai apresentar?
Evidentemente que fiquei muito feliz de fazer parte da ModaLisboa, acho que faz todo o sentido para a marca. Gostava muito que as pessoas percebessem que está aqui muito trabalho. Que isto não foi chegar, ver e vencer. Foi muito acreditar num trabalho que tem sido desenvolvido e que nas redes sociais até já tinha alguma notoriedade. Comecei a ser abordada por outros países para pôr lá a minha marca, em lojas multimarca ou feiras e vi que não fazia sentido nenhum começar a fazê-lo sem antes ter um reconhecimento do meu país.
Esse reconhecimento tenho a agradecer neste momento à ModaLisboa que me esta a dar a oportunidade de mostrar o que a Buzina tem feito ao longo destes anos e é um bocadinho o que eu vou tentar fazer na passerelle. É fazer um recapitular de tudo o que foi acontecendo ao longo do tempo, as peças mais icónicas, vai entrar por aí. Acredito que mais do que surpreender vou cimentar uma ideia.
Considera que Portugal é o melhor do mundo no setor têxtil?
Ao nível de produção de tecidos, nós somos os melhores. É uma pena fazermos uma semana da moda que não seja equiparada a uma semana da moda lá fora, isto porque temos todos os ingredientes que são necessários. Eu acredito mesmo nisso. E olho para esta ModaLisboa como uma oportunidade de o mostrar. É uma pena que não tenhamos esta projeção lá fora…
Que planos tem para o futuro da marca? Onde gostava que chegasse?
Ainda há muito para fazer aqui, dentro do país. Estamos a trabalhar cá dentro, a marca é nacional, temos muita mulher portuguesa para vestir. Não têm todas uma peça da Buzina e eu quero muito que tenham. Vamos começar por aí. Vamos trabalhar bem este mercado. O que surgir lá fora será bem-vindo, sempre com os pés assentes na terra.
Quero muito que as mulheres portuguesas me deem oportunidade de pôr uma peça minha no closet delas. Vamos ver o que é que acontece. Para já estou a trabalhar nesse sentido.
Ainda não visto todas as mulheres. Gostava muito que todas pudessem ter uma peça minha. E vou lutar por isso. Pode ser que um dia chegue lá