Mihi significa “eu” em latim e o nome não podia ser mais adequado. Quando aos 36 anos lhe foi diagnosticado um cancro de mama, Rute Vieira sentiu o seu mundo a desabar. Aquilo que dava como garantido deixou de o ser e tudo mudou.
Hoje, está à frente de uma marca pensada para mulheres que, tal como ela, passaram por uma mastectomia. Fabricadas com nylon reciclado, as peças da MIHI&You primam pelo conforto e a estética e ajustam-se aos diferentes tipos de corpo, respondendo às necessidades de cada mulher.
Esta marca portuguesa, criada por quem viveu na pele as dificuldades de um pós-operatório em que o amor pelo próprio corpo se vê abalado, não poderia fazer mais sentido.
A marca que quer mudar a vida de muitas mulheres
Tudo começou em 2010 quando, depois de passar por uma mastectomia, Rute percebeu que as opções de soutiens, lingerie, biquínis e fatos de banho disponíveis no mercado eram escassas e pouco apelativas. Com a sua experiência pessoal como motivação e o seu background em design gráfico, decidiu dar o seu contributo a esta causa tão importante para ela e criar uma marca que fizesse a diferença.
Porque todas as mulheres são distintas, “com necessidades e expectativas diferentes”, Rute sentiu que envolver outras mulheres no projeto, que tivessem passado pela mesma situação, seria importante. Foi então que conheceu Ana Bee, com quem sentiu uma conexão imediata, e o resto é história.
Em 2019, foi lançada a MIHI&You e é já a partir do dia 31 de outubro que a coleção estará disponível para compra online. Uma marca pensada para mulheres de todas as idades, mastectomizadas ou não, que querem sentir-se bem no seu corpo e mostrar as curvas na praia.
Entrevista a Rute Vieira, designer e fundadora da marca
Foi-lhe diagnosticado um carcinoma aos 36 anos, extremamente jovem. Qual foi o impacto que esse acontecimento teve na forma como vive e vê a vida?
Acho que me tornei uma pessoa mais focada em mim e no que realmente me importa, como a saúde, a família e os amigos. Sim, eu sei, soa a clichê.
Posso dizer que era uma workaholic. Punha sempre as minhas responsabilidades profissionais em primeiro lugar, achava que tinha de carregar o mundo às costas e tentava fazer milagres nas minhas 24 horas, com a consciência sempre pesada e a achar que estava a falhar em todas as frentes.
Mas de repente tudo para. A vida dá-te um abanão e acordas. Percebes que não tens controlo sobre nada. O que dás como garantido agora deixa de o ser no momento a seguir. E que não há mais justificação para tanta ilusão.
Afinal, o trabalho pode esperar; o que tu não fazes, alguém faz por ti e a vida continua a rolar, pelo menos a dos outros. Percebes que é tua a responsabilidade absoluta de cuidares da tua própria vida e da tua saúde e de lhe dares a prioridade que precisa, de uma vez por todas.
Reconheci também o que já sabia, que a família e os amigos são a tua força e que o amor tem o poder de curar! Sobreviver nesta sociedade já não me basta, sinto a obrigação de viver todos os dias, verdadeiramente inteira e de forma plena, tentando ser feliz e dando o meu melhor, ainda que com falhas.
O que é que a levou a expor-se e dar a cara à sua marca?
Não considero que me esteja a expor, apenas falei na primeira pessoa para dar o meu testemunho pessoal e contribuir para dar visibilidade ao cancro da mama e a algumas questões relacionadas com a mastectomia, que continua, a meu ver, a ser tratada como um assunto tabu.
Senti a obrigação de sair da minha zona de conforto, baixar a guarda e mostrar-me como sou, como estou. Falar de mim e do meu percurso até aqui. A Ana Bee, ao aceitar ser uma das mulheres fotografadas na campanha da MIHI este ano, fez exatamente o mesmo.
Acho que esta “exposição” passa por ambas acreditarmos nas motivações por detrás do lançamento desta marca. Sentirmos na própria pele a importância que tem para quem está a viver este problema. Perceber que, deste lado, estão mulheres reais que passaram pelo mesmo. Apenas estamos a dar o nosso melhor num projeto que ainda agora começou, tem muito a melhorar, mas que está a ser feito com todo o amor e dedicação, por todas nós.
Quais são as características das suas peças que as tornam aptas ou ideais para mulheres mastectomizadas?
Todas as peças da coleção – tanto os fatos de banho como os biquínis – para além de confortáveis e ajustáveis, foram desenhados para favorecerem a silhueta de uma mulher após uma mastectomia.
Cada peça é desenhada para cobrir, estrategicamente, cicatrizes cirúrgicas e, ainda assim, manter uma estética feminina e delicada. As bolsas internas bilaterais permitem colocar as próteses mamárias removíveis, bem como dar o suporte e cobertura adequado a uma mama reconstruída.
Qual é a principal mensagem que quer passar às mulheres com este seu projeto?
Queremos ser mais do que uma marca de roupa. Desejamos contribuir de forma positiva para o equilíbrio, serenidade e elevação da autoestima de cada mulher.
Depois de uma mastectomia, a autoestima das mulheres pode sofrer bastante. Como é que lutou contra isso e que conselho daria a mulheres que estão a passar pela mesma situação?
Durante muitos anos aceitei a minha condição sem qualquer revolta ou amargura. Acho que o apoio do meu marido e o facto de me sentir tão amada depois da mastectomia como no meu corpo anterior, foi essencial.
No entanto, não me sentia de todo confortável na minha pele. As mamas são uma referência no corpo de uma mulher. Mas as mamas, fui percebendo com o tempo, não nos definem na nossa feminilidade.
Para mim, é fácil olhar para as outras mulheres mastectomizadas e ao vê-las no seu todo, ao aceitá-las inteiras, ao admirar o seu percurso e força interior, continuar a ver toda a beleza e feminilidade que continuam a ter. Mas esta aceitação e olhar empático de admiração e reconhecimento do outro, eu não conseguia ter comigo mesma.
E foi de extrema importância para mim, enquanto sobrevivente ao cancro da mama e mulher mastectomizada, a minha participação recente no projeto fotográfico Sweet October da autoria da Ana Bee. Ver-me retratada, ver-me de fora, pelos olhos do outro, desencadeou um processo de transformação e de maior aceitação do meu corpo e das alterações físicas que sofri com esta doença.
Tal processo está a ser fundamental para me sentir mais confiante ao apresentar a MIHI ao público. Afinal, sou uma mulher como muitas outras, desde sempre cheia de inseguranças e ansiedades em relação ao meu próprio corpo.
Todas somos diferentes, mas devemos ter presente que somos muito mais do que os nossos corpos e que nunca é demais o amor, a atenção e o cuidado que devemos ter connosco.
Porquê fabricar as peças com nylon reciclado?
O tecido principal das nossas peças é uma malha fabricada com Econyl, um fio de nylon 100% reciclado, feito a partir de redes de pesca descartadas e abandonadas nos oceanos. Este fio é infinitamente reciclável, garantindo que, no fim de vida dos produtos, estes podem ser reciclados e dar origem a uma nova geração de peças.
Graças à sua construção inovadora, é duas vezes mais resistente aos cremes bronzeadores e ao cloro. Possuindo uma cobertura excelente, tem ainda a vantagem de oferecer proteção UV.
Foi uma exigência que impus desde o primeiro momento. Lançar uma marca que não tivesse no seu ADN a preocupação de ser o menos nociva possível para o ambiente, usando matérias primas recicladas e recicláveis, não faz sentido nos dias de hoje. É uma questão ambiental, de sustentabilidade, de responsabilidade social e, acima de tudo, de consciência enquanto designer e consumidora.
Quais são as características que distinguem a MIHI das outras marcas de fatos de banho e bikinis já existentes para quem passou por uma mastectomia?
Tentamos ter uma oferta de modelos que, para além de funcionais, sejam bonitos, confortáveis, simples e modernos, com cores, formas e padrões que vão ao encontro das expectativas de mulheres como nós que, cada vez mais jovens, são confrontadas com esta doença.
Todas as mulheres têm gostos e expectativas diferentes em relação à sua lingerie ou fato de banho/biquíni. Umas gostam de algo mais sexy, com rendas ou froufrous; outras de algo mais minimal, clean e sofisticado; outras de peças mais coloridas, com padrões chamativos; e outras de algo mais desportivo e prático.
E, de repente, ao passarmos por uma mastectomia percebemos que a oferta é muito reduzida e que temos de fazer cedências, ou de estilo ou de conforto. E quem passa por uma doença destas, que mexe tanto com a nossa autoestima, merecia ter mais opções.
De uma forma geral, ao falarmos com mulheres de 30 e 40 anos, a opinião é quase sempre a mesma: a oferta é desequilibrada para a procura. É preciso que esta seja mais alargada e existam opções para estas jovens mulheres.
Qual é a sua visão ou o seu desejo para o futuro da MIHI? Alguma ideia inovadora, novas coleções ou designs, roupa interior?
A MIHI quer ser mais do que uma marca de roupa. Desejamos criar uma comunidade alargada de mulheres que se querem apoiar umas às outras e dar o seu contributo para o bem comum. Queremos estar próximas e em canal aberto com as nossas potenciais clientes e amigas.
Inclusive é nossa vontade ter uma reunião trimestral, aberta, uma mesa redonda, que será organizada pela Ana Bee, com outras mulheres que passaram por um cancro da mama, para se falar do produto MIHI, ouvir em primeira mão os seus testemunhos como utilizadoras e as suas expectativas e necessidades, para melhorar o que temos e implementar novidades em novos lançamentos.
A juntar a estas práticas, a MIHI ambiciona que os ciclos de vida dos seus produtos vão para além das coleções e estações, criando peças intemporais, duráveis e eco-friendly.
Alargar a oferta de modelos e tamanhos e poder apresentar uma coleção de fitness e hidroginástica para incentivar hábitos de vida saudáveis são os primeiros três grandes desafios para 2020. Para 2021 queremos poder lançar os primeiros modelos de roupa interior.
• Onde está à venda? Na loja online.
• Quando? Disponível a partir do dia 31 de outubro. A maioria das peças da coleção estarão disponíveis para compra imediata. Depois desta data, os restantes modelos irão estar em pre-order e ficarão disponíveis para entrega a partir de fevereiro de 2020.
• Quais os preços? Os preços dos fatos de banho estarão entre 69,90€ e 95,90€. As partes de cima dos biquínis entre 49,90€ e 65,90€ e as partes de baixo entre 35,90€ e 42,90€.
• Tamanhos: S (para próteses de tamanho 2 e 3), M (para próteses de tamanho 4 e 5) e L (para próteses de tamanho 6 e 7). Num futuro próximo, a ideia é alargar a oferta aos tamanhos XS, XL e XXL.