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Moda sustentável: é realista que esta indústria se torne mais ecológica?

Moda sustentável: é realista que esta indústria se torne mais ecológica?

Este é um tema que não passa de moda (quase literalmente) e que precisa de continuar em constante discussão. Pode ser a moda sustentável? Falámos com a diretora de marketing da Brownie Spain e com a mentora do Vintage for a Cause.

Por Nov. 25. 2020

Logo a seguir à indústria do petróleo, está a indústria da moda a ocupar o segundo lugar no pódio como a mais poluente do mundo. Esta deveria ser uma corrida que ninguém quer ganhar, mas, segundo os indicadores assustadores do mundo nada fabuloso das roupas, há ainda muito a fazer para que este tema não mereça um alerta vermelho.

Segundo o site Sustain Your Style é isto que está a acontecer:

  • 20% da poluição industrial das águas vem da confeção e tingimento de roupas;
  • São utilizados 1,5 triliões de água para fazer roupa, enquanto 750 milhões de pessoas no mundo não têm acesso a água potável;
  • Só apenas 15% das nossas roupas são recicladas ou doadas;
  • São cortadas 70 milhões de árvores todos os anos para a produção de roupa.

E, na verdade, podíamos continuar. São imensos os dados que acusam a moda, e bem, de ser uma das principais responsáveis pela degradação do planeta. O que a Saber Viver foi perceber, é se este ciclo é reversível e que passos estão a ser dados para que a produção seja mais consciente – e o consumo menos desenfreado.

Moda sustentável: um passo à frente

A Brownie Spain é uma das muitas marcas que começou a jornada de se tornar ecológica ao criar uma edição eco-friendly, a ReLove, feita a partir de materiais orgânicos e reciclados, através de métodos de produção sustentáveis. Neste outono, 30% da coleção da Brownie cumpre os requisitos da sustentabilidade, mas segundo Irene Framis, Diretora de Marketing e Comunicação da marca, o objetivo é chegar aos 100%.

Já a marca portuguesa Vintage for a Cause começou em 2012 com um conceito não só de sustentabilidade, mas também de inovação social. “A roupa é feita envolvendo designers que criam coleções cápsula de design intemporal e multifuncional que depois são feitas reutilizando unicamente desperdício morto em fase de pré-consumo, que é o mesmo que dizer que são restos que sobram do corte industrial das fábricas que iriam acabar em aterro ou então peças não vendidas de marcas de roupa”, conta-nos Helena Antónia, mentora do projeto.

Esta matéria-prima é doada por fábricas no Norte de Portugal e por uma marca do país basco chamada SKFK Ethical Fashion que fez a transição para 92% para fibras ecológicas. Às vezes, compramos algum desperdício ao quilo em armazéns da especialidade”, acrescenta.

Além disto, a produção da Vintage for a Cause é feita por costureiras mais velhas e experientes, acima dos 50 anos, que já estão fora da vida ativa laboral.

As miúdas mais jovens e as adolescentes estão mais conscientes da necessidade de proteger o nosso meio ambiente – Irene Framis, Brownie

A escolha dos materiais deve ser consciente, mas não é só isto que chega

Fala-se muito dos materiais, tecidos e matérias-primas utilizados na confeção de roupas, mas, para o consumidor final, pode ser confuso perceber o que se deve ou não comprar. Que materiais são sustentáveis? E esta escolha chega para melhorar o futuro do planeta? A intenção é boa, mas não é suficiente.

A sustentabilidade não passa pela apenas pela natureza dos materiais. É claro que algumas fibras têm menor custo para os solos, como é o caso do algodão orgânico, mas têm outros consumos e muitas vezes é criado em condições de exploração humana também. Não é suficiente não libertar plástico nas lavagens”, afirma Helena Antónia.

“Alguns tecidos feitos com fibras dita ecológicas e que resultam de reciclagem podem até ter menor qualidade e por isso resultar em roupa com duração curta. Concluindo, reduzir a ecologia na moda aos materiais é uma falácia perigosa, na medida em que a questão de fundo é a sobre-extração de recursos naturais a um ritmo que não permite uma regeneração equilibrada”, completa a orientadora do Vintage for a Cause.

Vintage for a Cause x Katty Xiomara

Em relação à marca espanhola Brownie, Irene Framis garante: “Os processos de confeção também estão a mudar para assegurar um impacto menor no meio ambiente, e a produção em países mais próximos, como Portugal ou Marrocos”.

Na verdade, de acordo com ambas, Portugal é um dos pontos da Europa mais atrativos para a produção ecológica. “Em termos de manufatura sustentável, [Portugal] está muito bem equipado, existindo cada vez mais empresas a apostar em tecidos com menor impacto e em processos de produção certificados. Diria até que em termos europeus Portugal tem um lugar bastante competitivo e uma reputação cada vez maior”, conta Helena Antónia.

Nos últimos anos, a utilização de materiais amigos do planeta tem sido uma das prioridades da Brownie, a fim de se tornar mais ‘verde’. “O algodão orgânico, a poliamida reciclada e o poliéster reciclado são a base. A estes materiais somamos outras fibras biodegradáveis, como o Tencel e a Viscose EcoVero, nomeadamente em peças de malha. Desde a primavera começámos também a trabalhar com materiais sintéticos 100% veganos para a produção de acessórios, e ainda a pele regenerada para as solas de parte da nossa coleção de calçado”, partilha a diretora de marketing.

É incontestável que os hábitos de consumo estão em mudança mas é uma amálgama de comportamentos, com contínuo domínio e grande influência dos media e do marketing do modelo capitalista que nos colocou na situação em que estamos – Helana Antónia, Vintage for a Cause

Os consumidores querem comprar menos e melhor?

A 23 de outubro deste ano decorreu, em Lisboa, a conferência Sustainable Fashion Business, que debateu variadíssimos assuntos relacionados com a sustentabilidade na moda. Em Portugal, parecendo improvável, esta indústria representa 5% do PIB nacional.

Ao que parece, e segundo as informações partilhadas no evento, os consumidores estão cada vez mais preocupados com a forma de confeção das roupas e com o consumo desmedido da população mundial.  Num estudo feito entre a publicação Business of Fashion e pela consultora McKinsey & Company, 67% dos inquiridos mostram preocupação pelos materiais na hora da compra e 57% fez mudanças significativas dos seus hábitos diários para reduzirem o impacto ambiental.

Estão os consumidores estão, de facto, mais conscientes? “Sim, em especial as novas gerações. As miúdas mais jovens e as adolescentes estão mais conscientes da necessidade de proteger o nosso meio ambiente e, com ele, o nosso futuro”, responde Irene Framis.

“O cliente atual exige informação e aprecia a transparência. Se queremos construir relações de confiança e fidelização, devemos ser sinceros e honestos. Estes valores são parte da nossa filosofia desde a origem da empresa”, acrescenta.

Helena Antónia, admite: “Há um maior interesse pelo tema e existem estudos com dados mais objetivos que confirmam existir novos hábitos de consumo, mais desligados da propriedade e mais focados em usar produtos temporariamente. Ainda assim, a minha perceção é a de que há um grupo pequenino de pessoas que sempre foi comedida e ‘consciente’ a comprar, seja porque está esclarecida, seja porque não coloca a sua validação pessoal no ato de comprar.”

A responsável pela marca portuguesa assegura ainda que nota um aumento de pessoas que refletem mais sobre os atos de consumo e que mostram curiosidade em comprar local. “É incontestável que os hábitos de consumo estão em mudança, mas é uma amálgama de comportamentos, com contínuo domínio e grande influência dos media e do marketing do modelo capitalista, que nos colocou na situação em que estamos.”

Linha ReLove, da Brownie Spain

Cenário realista ou irrealista: é possível que a moda deixe de ser uma das mais poluentes do mundo?

Quando se fala em consumo, fala-se, inevitavelmente, de produção. As marcas de fast fashion são as primeiras a serem julgadas – e sem a razão do lado delas – por contribuírem para o detrimento do planeta, com coleções semanais ou quinzenais a chegarem às lojas. Novas roupas, acessórios ou calçado, levam os consumidores a comprarem mais, tendo a impulsividade um papel importantíssimo quando se compra.

Sabia, por exemplo, que hoje temos cinco vezes mais roupa do que os nossos avós? Os preços atrativos, os outdoors gigantes a vermelho com a palavra ‘promoções’ e os descontos online são os principais fatores de incentivo ao consumo ilimitado que prejudica o meio ambiente.

Ainda vamos a tempo de mudar? “Não sei se este é um cenário realista, mas é possível. Hoje temos tecnologia e recursos para o fazer. Vivemos num mundo global e próximo. Por isso, tudo depende de motivação e de legislação em conformidade”, começa por afirmar Helena Antónia.

As gigantes da fast fashion, como o grupo Inditex ou a H&M, têm feitos esforços para se tornarem mais sustentáveis. Desde a criação de linhas como a Join Life ou a Conscious, estão a ser dados passos cruciais para que a mudança seja feita. Mas não são as únicas.

Por exemplo, a Lemon Jelly tem uma linha, a Recycled, feita a partir de desperdícios de produção, com uma meia interna composta de tecido proveniente de garrafas de plástico, a C&A tem uma nova coleção de casacos produzida com mais de quatro milhões de garrafas recicladas e a Benetton lançou os chamados blusões Eco-Recycle com enchimento obtido a partir de plástico reciclado.

Em termos práticos, de acordo com a responsável da marca portuguesa, a extração da matéria prima deveria começar a ser taxada, assim como a sua reutilização não virgem deveria ter um maior incentivo. “A própria questão do tratamento a dar aos resíduos têxteis por exemplo pode aqui ter influência. E não haja dúvida que a pandemia veio acelerar uma data de mudanças, porque também provocou situações que confrontam a própria indústria com os impactos que têm gerado, havendo consequências em cascata para todos num mundo global”, complementa.

Em relação à fast fashion, admite que “não é realista, nem socialmente responsável, fazer uma transição brusca de um modelo de produção massivo para um mais sustentável, na medida em que toda a cadeia de valor seria afetada com custos sociais muito elevados.” Há ainda que realçar a riqueza que esta indústria gera, assim como os postos de emprego.

É aqui que entra a responsabilidade social. “Os cidadãos têm um papel fundamental nesta mudança”, reforça Helena Antónia. “A forma como a sustentabilidade tem sido comunicada parece que reduz tudo ao ato de consumir ou não consumir, ou então, consumir o produto A ou o produto B que é mais verde. E não somos só consumidores, somos cidadãos e podemos votar, pressionar e influenciar os decisores em sentidos diferentes”, remata.

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