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“Transformar roupa já usada, na prática, não é tão sustentável como utilizar excedentes têxteis”

A indústria da moda é, devido à emissão de dióxido de carbono, consumo excessivo de água e produção de resíduos, uma das mais poluentes, mas há projetos que tentam diminuir esse impacto, caso da Vintage For a Cause.

Por Abr. 29. 2022

Em 2013, quando ainda pouco se falava de sustentabilidade e de economia circular no mundo da moda, Helena Antónia Silva fundou a Vintage For a Cause. “Somos uma marca de roupa de economia circular que tem um propósito de inclusão social, porque confecionamos roupa desenhada, feita exclusivamente com excedentes têxteis, e por costureiras seniores ou mulheres acima dos 50 anos que recrutamos em workshops, com o intuito de criar oportunidades para pessoas que estão fora da vida ativa”.

A ideia surgiu como resposta ao desafio de criar um conceito que resolvesse um problema social e que pudesse combinar recursos que estivessem inutilizados, lançado numa pós-graduação em Empreendedorismo e Inovação Social que Helena Antónia Silva fez.

No início, a Vintage For a Cause começou por transformar roupa usada, que foi substituída pelos excedentes de tecido. “Com o tempo, fomos percebendo que transformar roupa já usada, na prática, não é tão sustentável quer do ponto de vista económico quer técnico e até de durabilidade”, explica.

Quando se deu essa mudança, eram poucas as empresas suscetíveis a ceder os excedentes. “Algumas davam-nos os cortes das confeções. Só a partir de 2018 é que a reutilização de excedentes começou a ser regra e a ser mais fácil ter tecidos de qualidade. Agora, já são as empresas que nos contactam”, afirma.

Como filha de costureira, a reutilização da roupa sempre fez parte da sua vida. “Isso condicionou a minha forma de olhar e comprar roupa. Para mim, é simples fazer a escolha de tecidos e perceber como funcionarão, porque cresci a ver como a roupa é feita, apesar de não ter formação na área, pois sou licenciada em Direito.”

“É importante rever o modelo de crescimento e de sucesso, não pode estar focado no lucro, mas no bem-estar, e isso pode passar eventualmente por produzir e consumir menos”

Helena Antónia Silva diz que não há respostas certas para o futuro da moda, mas “talvez a solução seja diminuir a produção e o consumo. É verdade que já temos fibras mais sustentáveis, mas se aqueles se mantiverem, a subtração e o desperdício continuam. Já há excedentes de fibras sustentáveis”, avisa.

Terá a pandemia ajudado a um consumo mais consciente? “Nós, por exemplo, crescemos nas vendas online nestes dois anos. Se isto significa que as pessoas mudaram os hábitos de consumo ou não, é outra questão e bastante complexa. Toda esta comunicação ligada à sustentabilidade está a criar a ideia de que ser mais ecológico é cool. Muitas vezes, o que acontece é que as pessoas substituem os produtos que usam e isso não significa propriamente uma alteração de hábitos de consumo. É só um consumismo um pouco mais verde muito pressionado pela ecoansiedade ou pela necessidade de validação de um comportamento que é exigido na comunicação e nas redes sociais, para não falar do greenwashing”, refere.

As coleções da Vintage For a Cause são, segundo a fundadora, “intemporais, permeáveis a estações, não constrangem muito as formas de corpo e podem ser vestidas por géneros e idades diferentes”. Um facto que também é importante economicamente para não ficar com stocks.

Desde a formação da Vintage For a Cause

  • 2,3 toneladas de resíduos foram reciclados;
  • 25.700 kg de dióxido de carbono não foram emitidos;
  • 10.350.000 L de água foram economizados.
A versão original deste artigo foi publicada na revista Saber Viver nº 261, março de 2022.
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